# BLOG LITERÁRIO # POEMAS - CONTOS - CRÔNICAS #

sábado, 2 de fevereiro de 2008

MELIANTE ================



Pode ser que tivesse algum nome, além do "meliante" anotado pelo policial num registro. Fosse mais que a elaborada descrição para indigentes nas lacunas do relatório: mulato, 15 anos, carapinha, 1,60 de estatura.
Jamais transpusera as fronteiras do bairro no qual viveu. Universo vasto daquela ínfima existência. Embora, nestes breves quinze anos ousara ultrapassar os limites. Não tão maior que o confinamento na jaula invisível da periferia. Limbo incrustado na cidade, onde o presente se repete num cotidiano round virtual de fliperama.
Ali compartilhou entre um trago e outro do cigarro proibido suas débeis razões, seus frágeis ídolos das paradas de sucesso. Que faziam dele um igual e diferente na mesma medida. Nessas viagens desgovernadas rumo ao nunca, sonhos e delírios abriram-lhe a larga porta do crime...
O policial finalmente preencheu o formulário. A todos parece suspeito... Juntam pessoas aos seus pés a rodeá-lo. Atônitas vendo-o estirado por seis balaços, o sangue escorrendo pela calha da sarjeta direto para o esgoto. Aborto tardio expelido das entranhas desta pátria madrasta.Viraria macabra notícia, seu sorriso infantil numa foto 3X4, como legenda as iniciais maiúsculas nas linhas miúdas do jornal. Fama sórdida dos desvalidos. Numa espécie de "era uma vez...", onde finda a estória sem ser.

INSCRIÇÃO PARA UM QUADRO DE FOINA ======


Ergue teus castelos nos ares
Sonhos sobre palafitas,
Que tudo lá fora
Transparece liberdade
Numa redoma de vidro.

Hhusayn =================


Hhusayn sabia ser a mesquita o único lugar, até aquele momento, protegido dos bombardeios americanos. Acuado buscava guarida nas paredes de mármore esculpido, descanso no granito escuro da laje fria. Enquanto o sol dos mísseis explode fulgurante noite adentro e a sirene anuncia nos quarteirões o serafim da morte.
"Vinde para a prosperidade." - Recitava o muzaim. O rebab entoa convidando evadir sua alma do corpo. Há muito perdera sua fé a despeito de toda tradição familiar. Por que as dádivas de Alá eram nada sob o fogo inimigo? Parcimônia para a ira de Saddam. Fazendo das ruelas ao amanhecer deserto de escombros, chamas, regurgitando corpos famélicos das ruínas. A tornar ele próprio um estrangeiro...
E tendo-se afugentado os passarinhos entoam as mães seu choro palro a socar o peito. Numa terra devastada de um deus refugiado no oásis celeste. Dirijem-lhe orações, cada combatente a pedir que Deus esteja do seu lado. Uns pelo Islã, outros pela "Liberdade". Porém, este a tramar diabólico favorece quem bem entende.
Hhusayn olha do pórtico incólume os rolos de fumaça sobre Bagdá, quando a brisa prende à coluna um dos muitos panfletos lançados propondo "a pax do império yankee".