# BLOG LITERÁRIO # POEMAS - CONTOS - CRÔNICAS #

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

OUTRO EXERCÍCIO DE BONDADE =====


Senhor
Há um único Deus
Para tantos milagres,
Muitas igrejas
E poucos santos.
Poupa-nos desta esmola
Que não faremos dela parca fortuna.
Livra-nos da tua onipresença
Estaremos sós,
Entretanto mais humanos.
Extrai deste sentimento de bondade
Meu gesto ímpio,
Dai ao Cristo quem é da Judéia!
Extingue essa necessidade de oferecer
Aquilo que nos falta tanto.

O MILAGRE DO MENINO =====

Tantas brigas por causa de se querer um filho, aí de repente ela embucha e pari uma criança... Que nem parecida com ele é!
Não seria o caso de desgostar do fedelho, embora a estória estivesse mal contada. Se tanto tempo passou nada acontecendo carecia revelar tal mistério. Prova esta que ela sempre pode dar à luz. Quanto ele... Incapaz, talvez.
"Por obra e graça do Espírito Santo!?" - Só de supor naquele desatino as idéias turvavam-lhe a alma. Preferiu não alimentar discórdias bem algum faria ao bebê. Amâncio recebia o recém-nascido como seu...
Na janela do táxi renovava-se a cada instante cenas da vida cotidiana. A troca de olhares mudos entre ambos calava-lhes a voz. Suas dúvidas meditadas no coração. Num a chaga, noutro o encantamento.
Foi decerto milagre de Deus aquela gravidez. Porventura assim houvesse ocorrido é porque o Pai caridoso tinha seus propósitos. Com uma prima sua sucedera igualmente, trazido como no sonho pelo anjo... Imaculada batizava-o em lágrimas, ela que amaldiçoou seu ventre por achá-lo estéril. Uma dessas adivinhonas viu nas cartas que seria homem de prestígio. Não havia importância no lugar simples onde nasceu. Dali sairia um rei...
Estranhamente na visita, Timóteo prometeu endireitar da bebedeira. Disposto a ser padrinho do garoto não queria dar exemplos ruins para o afilhado. Saião mandava recado poupando a mulher das surras constantes. Amém, fariam do cortiço um doce lar pra se conviver.
O carro freou atiçando a revoada de pombos ciscantes no asfalto. Endiabrado, o velho Nicuri que andara errante pelo mundo, veio ao encontro do casal. Ergueu o rebento sobre a cabeça, consagrando-lhe dúzias de palavrões carinhosos. E sendo época de natal chamou-lhe Nataniel.
Samba e forró comiam as chinelas no terreiro em louvor a chegada do menino... Prósperos os homens que se querem bem, cujos pés seguem a vereda da paz!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

P.S... (sic) ============


Sei que desconfias
tanto que tenho pra dizer-te,
mas omitirei.
Do que nos adianta
alegações rancorosas?...

Naquela conversa que se alongou
em especulações sentimentais
seguida dum desértico silêncio
dissemos o inaudito.
Foi um mal epílogo
este episódio derradeiro.

Há muitas coisas
que devíamos falar sinceramente.
Contudo, jamais são ditas
mesmo num post scriptum.
Se está tudo decidido... Deixa pra lá!

EPISÓDIO MEMORÁVEL ======


Da vida remoía incontáveis queixas. Era na morte que se comprazia seu espírito. Velórios familiares verdadeiros acontecimentos festivos. Parente próximo ou distante fazia questão de chorá-lo. Conservava o costume de registrar em albuns fotográficos cada passamento. Bem como mantinha engomado o vestido retinto para a ocasião do luto.
Ocorrido o óbito, exultante dispunha-se em transmitir a trágica notícia. Somente nestas oportunidades fúnebres conseguia reunir toda família. Nas quais comia-se e bebia-se à vontade ouvindo piadas marotas daquele tio sacana. Nessas horas esqueciam do morto, que por uns instantes ficava solitário e o salão invadido pelo riso.
Após o hiato, Ela era a primeira ir prantear à cabeceira do caixão. Assumia um ar solene. Manifestava condoída a beleza mórbida do cadáver. Num diálogo com o desencarnado como se este estivesse atento, exprimindo as qualidades do falecido ou da defunta. Todos fadados a viver no paraíso dada a sua exemplar generosidade... E ai daquele que afirmasse o contrário! Desenterrava estórias reveladoras, passagens pitorescas que então sucedera ao defunto.
Quando por fim trancavam a pobre alma, é que abatia-lhe a tristeza daquele episódio memorável.
   

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A ALEGRIA DE QUE SERVE? ======


Para apagar todas as suas dores,
você assume contentar-se.
Abnegado no árduo expediente do dia,
sonhador durante à noite.
Pois, as mazelas caem no esquecimento
da Vida Nacional.

Benção é viver na ignorância
do que lhe falta.
Porém, não consegues bastar-se
que o somatório das coisas
sobrevem a todos.
Sei, a vida é amarga
neste seu sorriso sem sabor.
Entretanto não lhe darei
um happy end.

SUA SAÚDE EM BOAS MÃOS! =====

Foi por temer a morte numa fila de hospital, que Brasilino resolveu conveniar-se a um desses planos de saúde. Caminhando na rua deparara com o cartaz imenso de uma dessas empresas: colorido fascinante, enfermeira sorridente, médico debruçado sobre o convalescido e com dizeres capazes de ressucitar outra vez o próprio Lázaro.
De fato, adoeceu... Chegou ao consultório  na hora marcada. Acima da recepção um Cristo martirizado. Tranquilizou-se, entregava sua cura em boas mãos. A mercê do Doutor desfiou o rosário de queixas. Principalmente o bucho saliente motivo da preocupação.
- A cerveja, Seo Brasilino. Efeito colateral da cevada. - Diagnosticava o médico à medida que ia apalpando. Brasilino gemia:
- Ai, minha santa! - E Nossa Senhora oculta entre as flores no oratório.
- Por obséquio... Sopre longamente. - O ar-condicionado da sala no máximo. Febril, o paciente tinha calafrios. - Está vendo esta fumaça? É resíduo dos muitos cigarros que o Sr. tem fumado.  
- E é, Doutor!? - Perguntou incrédulo. 
- E não é! Esteja certo disto... Vista a camisa.
- Tem jeito pra mim, Dr.?
- Ora, deixe comigo. Só não dou solução pruma coisa... No fundo o Sr. é dono de uma saúde invejável. - E dizendo isto aplicou-lhe um cordial tapa nas costas, que Brasilino cuspiu uma posta de carcinoma, indo cair direto na lixeira. - Viu? Isso que eu chamo de intervenção cirúrgica indolor. Sem incisões, rápida e precisa... O doutor Fritz não faria igual.
- Quem? - Brasilino tentava entendê-lo, a cabeça ainda zonza, corpo trêmulo.
- Um colega de profissão... - Deu a consulta por encerrada.
Semanas depois, seguindo as orientações médicas, ele entrou em óbito.

domingo, 24 de outubro de 2010

MATRIMÔNIO ==============


Homem 
e
Mulher...
Até então
combinação simples.
A construir
o mundo,
destruir os seus
em juízo...
Que coisa é
conjugar na pessoa certa!

MUSA DOS ECOLOGISTAS =====

Ninguém levava-lhe a sério. Caçoavam dela o tempo inteiro. Qualquer idéia sua logo diziam ser pura esquisitice. Desde menina entretinha-se horas espiando a carreira de formigas a subir um tronco de árvore, ou salteando o açucareiro esquecido na mesa. Morria de pena dos ratos ao ouvir o estralo da ratoeira armada no porão pelo avô. Amava mais os bichos do que aos viventes sabidos.
Quando soube que haveria na praça um show de rock em defesa dos manguezais teve outro daqueles estalos. Ela mesma apreciava uma suculenta caranguejada. Preservar pra ter garantia de comer no futuro sua iguaria predileta, foi o que lhe veio à cachola. Arrumou um vestido de estampa indiana. Fez umas tranças nos cabelos grisalhos e pôs uns óculos-escuros... Escolheram-na musa do evento.
- Que maluquice era aquela, tia!? Depois dos 50 resolveu ser hippie? - Ralhou no café da manhã o sobrinho, único parente que restara de toda família, ameaçando colocá-la num asilo. Aborrecida com aquilo saiu a esmo alvorotada...
A cidadezinha progredia tomada pelos pombais-humanos de concreto armado. Enfeitavam-se de luminosos radiantes, vitrines nas quais se vende ao mais sortido gosto. As ruas que andara descalça quando criança foram cobertas de piche.
Naquele terreno descampado onde armavam o circo na sua adolescência, ali construíram um imponente magazine. Nada mais havia dela antes e da antiga cidade, além da memória débil a cada ano. Punham placas nos cruzamentos pra onde ir. Mas, que sentido tinha? Os carros matavam os jardins, nesse inverno a bronquite não dera-lhe trégua...
No ar a poeira asfixiante, aquele reclamar irritado das buzinas. Que falassem!!... Plantada no canteiro árido da avenida principal, segurando um galho vistoso de ipê amarelo ela ornava o dia cinzento.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

CALEIDOSCÓPIO ===========

                                        Sobre as lindas estampas das mesas
                                        Destes contemporâneos palacetes
                                        Cercados por barracos multicolores
                                        (Que aos olhos estéticos casarios,
                                        Afeitos a comodidade aquiescente.)
                                        Em baixelas de prata,
                                        Cuja miséria humana requinta o menu
                                        Alimenta-se a indigestão da fome.

DIREITO ESPERNIANDIS =====

Pela tv ele asssitia desolado as imagens de um povo perplexo. O que seria de direito tornar-se crime, porque desagrada governantes. Quando a postura ideal do cidadão respeitável é sofrer calado. E toda falácia do Estado resumida em pontapés, cassetetes, bombas, como argumento destes astuciosos "Homens de bem". Os quais prometem nas urnas ouvir o clamor das ruas, e depois se rendem ao discurso institucional da falta de verbas. 
Ao olhar em derredor sua alma atribulava-se. Um sujeito sem ideais ou grandes possibilidades. Homem de dons, mas sem meios. A velhice ia chegando e no inventário desses 38 anos, lembranças desagradáveis. Aquele metro quadrado de chão que nem era seu. Certa felicidade que não lhe cabia...
Desde jovem ensinaram-lhe que deveria prevalecer o livre pensar à força bruta, ter princípios honrados. Porém,  logo viu que aquilo era mera tapeação imposta a trágicos palhaços... Ele e o patronato sempre viveram às turras. Não havia empresa que se firmasse. Bastava algumas reivindicações para descartarem o inconveniente incitador. Doutra feita numa passeata foi jogado de cara no asfalto quente... Ironicamente a Liberdade demarcava limites! Da última vez num protesto fora inclusive indiciado por formação de bando. No julgamento, o meritíssimo sentenciou como pena alternativa que lavasse o Monumento da Independência no centro da cidade. Aí então, conheceu a justeza da lei. A razão estava com eles, contudo a verdade pertencia aos fascínoras. Nós somos os asnos que conduzem a carruagem da História, alguns tal cães haverão sempre de ladrar. Acaso temos rédeas do nosso destino?
Estacionou à margem, no escasso pasto da existência. Sua tese consistia em que ignorando o sistema este ruiria. Ele bem merecia viver dias tranquilos na sociedade caótica. Preocupado apenas com seu time do coração. Sem falsos heróis, nem pátria... A vida um deserto árido.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

PRIMAVIRIL ==============


                      São buquês de sutis incensos
                      A se erguer na brisa,
                      Transbordante bálsamo silvestre.
                      Cópulas de insetos deitados sob o sol morno
                      Acariciantes nos falos-estames,
                      Lambetidos no gozo-polém...

                      Oh, doce promiscuidade!!
                      Da qual a flor
                      Do fruto engravida.
                      Que o útero fecundo da terra espera.
                      
                      Assim se engalana a deusa Gaia,
                      Formosa de delicadas prendas.
                      Desde a florescência da erva-daninha
                      À flor mais bela,
                      Parindo do seu ventre
                      A semente de uma nova era.

                      Sempre efêmera... Senão, eterna!
                      Nesta estranha certeza 
                      Colhida à cada primavera. 
                                  

OCIMAR AFANEU, pede seu voto =====

Desde os tempos estudantis almejava a carreira política. Eterno postulante à eleições, quaisquer que fossem: dirigente esportivo, síndico, diretor da mais variada etcetera. Ocimar Afaneu valia-se de máximas que justificassem tal obstinação, como aquela de que o Homem é um ser político por excelência. E as fazia com a retórica típica dos candidatos. Utilizando o que melhor lhe conviesse, contanto que saísse prestigiado.
Mil dificuldades na escalada do poder. Verba restrita vivia apurado, o marcador do tanque de combustível arriado na reserva. Assíduo frequentador de vernissagens, não por apreciar Arte, esta era uma maneira de dar fim ao regime forçado no vai e vem dos comes e bebes. Talvez um golpe de sorte fizesse dele Secretário de Cultura. Senão fosse a santa mãezinha! Refúgio e fiadora de suas necessidades...
- Menino...! Quer me levar à falência? Deste jeito você lasca mamãe! - Ralhava ela, usando de sua rispidez complacente.
- Em breve, mãinha será a Primeira-Dama. - Há coisa mais gratuita quanto falsas promessas?... Ocimar Afaneu conhecia o coração de ouro da mãe. A velhinha fazia votos de que ele se desse bem logo. Parasse com os empréstimos à minguada pensão dela, dívida essa que nunca teria coragem em cobrar.
De certa forma a dureza virou marketing dos detratores. Como a corruptela envolvendo o seu bom nome:
- Chiii! Lá vem "Ocimarcar Afanoeu".
Julgava a miopia congênita causa de suas chances frustradas. À distância mal conseguia distinguir o eleitor. Privando-o quase sempre de cumprimentos e acenos. Aquele corpo-a-corpo básico, arma fundamental no assédio político. Mas, coeficiente eleitoral no final das contas era o engasgo da boca de urna.
Gente... O pleito avizinha-se. Muitos baterão à sua porta feito mendigos a pedir nacos de pão. Nestas próximas eleições vote com solidariedade. Ocimar Afaneu carece  eleger-se urgentemente.



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

CIRCUNSTÂNCIA ===========

Por
Qualquer razão
Faz como bem entende.
Na tentativa idiota
De consertar
A paisagem
Do seu 
Universo peculiar.

Dispersa as estrelas,
No lugar pra nós dois
Põe uma pedra sobre
Sem muito cuidado.
Culpa meu jeito
Estúpido
Se a coisa assim está.
Menos pior,
Apesar desta montanha
Anexa
Que me deixa intranquilo.
No fim,
Tão rasgados elogios,
O amor
                                                                                    Acaba
                                                                                    Piorando o melhor!

PELO CELULAR... ==========

Fila de banco, divã vertical da gente simples. O sujeito atrás de mim puxou conversa. Ultra-conservador cochichava desconfiado seus pareceres sobre as mazelas do mundo. Se entendia justo,  imputando a justiça típica dos carrascos - como ser contra o aborto e a favor da pena de morte. Filósofo da existência alheia não havia estória sem que destrinchasse nos mínimos detalhes. Em suas frases sentenciosas requintes de extrema crueldade.
De repente toca o celular... Ele atende em altos brados, assumindo umas poses estranhas:
- Alô! O que foi desta vez, Amália? O mesmo conversê de antes... Como é!? Se eu tô sentado? - A fila ri daquela espontaneidade. - Estou no banco... Que banco de praça, o quê!? E eu tenho tempo pra isso. Fala logo duma vez,  Amália. Assim não dá! Fale agora ou se cale para sempre. Quer, por favor, ser rápida... Direta! - O camarada tinha estilo. - Sei... Quer dizer, nada sei ainda. É até melhor eu saber estando longe... Tá, tá! Que enrolação, Amália!! - Esbugalhou os olhos, experimentando o outro ouvido. - Não entendi direito... Não me diga uma coisa dessa! Posso até ter um troço. Você é peçonhenta, mulher! Denegrir sua única filha com semelhante lorota. Não pode ser a mesma... Repete de novo. - À essa altura os "caixas" mantinham os ouvidos atentos. - Grávida, mesmo!? Não é nada psicológico, nem sobrenatural... Mas, como?... Claro que eu sei, eles foram pra cama e... E... Argh! Deixemos os detalhes. - Ele cobre o bocal. - Justo a minha princesinha! Minha criança linda... Tanto sacrifício para vê-la arrastada por um Romeu barato. - Logo encontrou a quem condenar. - Embaixo do teu nariz, não é verdade? Debaixo da tua saía!! Você deveria ser a guardiã da moral desta casa e veja o que aconteceu. Eu me sinto traído por vocês duas... Vou castrar o filho da p*... que esculhambou a honra da minha família! Onde já se viu!? Cedo a mão da moça e esse pilantra me usa o corpo todo... Mulher, fala sem gaguejar... E agora o que as pessoas vão dizer? Somente a verdade. Que a filha saiu igual à laia da mãe... Não me vem com esta. Pára de soluçar! Deixa que eu... Droga! - A ligação caíra. Aflito mergulhou na porta giratória lançando-se ao estacionamento, na tentativa de recuperar o que a filha houvera perdido.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

APÓLICE =================


                          Tenho medo do lugar-comum:
                          Salário, feriado, cerveja...
                          Viver com risco calculado.
                          Vendendo-me em troca
                          De uma suposta tranquilidade
                          E assim me tornar respeitável,
                          Cidadão-modelo
                          Exceção e regra
                          Um desses infelizes em ascenção.
                                               
                          Esta incerteza de ficar
                          Porque todos invadem a condução
                          Sem destino (s)erto,
                          Fugindo da jaula
                          Direto pra armadilha. 

CERTEZA REMEDIADA =======

Há dias Dála gania lastimosa pelos cantos. A ferida no dorso do animal supurava um líquido fétido. Seu esbarrar impaciente contra as paredes dava mostras de querer fugir de um cerco imaginário...
O homem na poltrona nem consegue mais fixar a atenção no jornal. A sala imersa numa atmosfera de sonho, desses que se sonha desperto. Nas manchetes a espécie humana escrevia sua fantástica história, sem contar com os que ficam à margem do caminho... Dála, companheira de infortúnio, olhava-o como que indagando a razão de tais dores. Doía-lhe igualmente o maldito câncer na boca, sem deixá-lo pronunciar que fosse um queixume.
Os fins são todos iguais, compreendera. E nele conjeturava suas recordações: as paixões fugazes, os erros, no gosto amargo do tempo esquecido. Não havia modo de refazer, nem porquê. De tudo quanto juntamos, a vida é um punhado de dias...

A cadela retornara do cômodo e esboçou algum contentamento tardio. Quis encontrar vãs respostas naquele olhar  turvo, e nesse obscuro silêncio certo consentimento. Por que não findar com aquela agonia, abreviando a certeza remediada até então? É o medo aceso que nos faz vítimas dos nossos sofrimentos... Hesitante o homem foi à despensa, onde sabia ter guardado um frasco de veneno.
  

terça-feira, 24 de agosto de 2010

UMA JANELA NA NOITE =====

                                         
                                     








Olhando deste andar,
Enquanto dormes,
É um não saber transpôr...
Traçar novo itinerário
Tendo as paralelas das avenidas ao longe
Novamente rumar equidistante
No próprio caminho.
                                      
                                              Sim, foi tudo tão maravilhoso!
                                              Brincamos de O ÚLTIMO TANGO EM PARIS
                                              E até um trecho de folhetim,
                                              Nosso definitivo e sincero capítulo.
                                              Pra ter certeza que o amor se abstrato
                                              Jamais existiu
                                              E sequer pensamos em amar
                                              Um ao outro ofendido.

O GOSTO DAS MAÇÃS ========

Não que fosse bonita. Mas, em matéria de amante a mulher era um colosso. De fazer o marido coçar a cabeça aflito madrugada afora. Donos de um boteco, os fregueses eram o petisco preferido dela. Entre um aperitivo e outro o romance acontecia.
- Mundica, tu é muito generosa na dose. Taí porque a garrafa não rende nada. Que lucro tenho eu!?
Assim que o lesado se dava conta, o cacete comia... Ele sempre atrasado! Entretanto, não havia porrada que abrandasse o braseiro daquele corpo. Como se uma voz maviosa sussurrasse em seus ouvidos:
"- Engana, trai que é gostoso! Só porque comeu da maça todas terão gosto igual?" - E tapeava por pirraça. Pra sentir uma mão de carinho nas carnes doloridas.
- Tu não jurou diante do padre ser eu o único homem da tua vida? - Bufando feito um possesso, o marido punha a salmoura na fervura.
- Nunca te disseram que até o capeta é corno... - Seu sarcasmo fazia dele um pobre diabo. Como forma de punição ela decretava greve ao espôso. Para quem era pura e casta semanas inteiras. O fulano com direito adquirido não recebia chamego.
Numa dessas recaídas da devassa ficou olhando pelo buraco da fechadura. Queria decifrar o enigma... Mundica clamava arfante o nome do Ricardão subindo aos píncaros do prazer, agarrada aos engradados de cerveja no depósito.
Mais à noite na cama catou Mundica de jeito. Disposto a por fim naquele jejum sugeriu certa proposta indecente. Que durante o ato falasse como se estivesse com os amantes. Ela então gemeu lasciva uma enfiada de Paulo, Gama, Homero, Jeba, Custódio... Enquanto o libertino a possuía vigorosamente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

OUTONAL =================

                             
                                           Sela nos albuns de família
                                           Toda inocência que já tivestes.
                                           Esta mera esperança                                 
                                           De realizar o sonho
                                           Daquilo que terias amanhã
                                           O teu presente do ontem, é hoje.
      
                          É chegado o tempo...
                          Vê no passado teu futuro.                  
                          Queres ser feliz escravo consentido?
                          Uma vez na carroça tudo é conduzido,                  
                          Não se acomode com cuidado
                          Às embalagens frágeis.
                          Ladra como fazem os cães raivosos.

                                            Podes escolher
                                            Ou se arrepender do bom exemplo.
                                            Põe teu fardo de mochilas
                                            Depois do umbral
                                            Que além do quintal,
                                            Do muro que se alevanta... Logo ali
                                            Há um possível outro mundo. 
                           

EXTERMINADOR DE BARATAS =====


Sua existência medíocre e aquele itinerário todos os dias no ônibus lotado tornara-se um calvário. Como se caminhasse numa só direção, sem sentido. Seus planos de vencer esbarravam nos desacertos da pátria e nas pessoas. Passou a odiar os suspeitos daquela sua condição, os rostos sonolentos de sempre no caminho do trabalho. Era dedetizador.
Naquela manhã poria ponto final drástico aquilo... Havia o retirante nordestino que proseava a viagem inteira sobre as suas aventuras no forró. Considerava absurdo que essa gente largasse a terra natal pra se aglomerar na cidade grande, sem controle de suas crias assassinas...
"Lá no sertão não passavam de uns fantasmas esquálidos. Aqui querem ser os espertos lambendo botas no emprego." - Alguns tinham sorte até demais, repercutia em seus pensamentos. Saboreava consigo fria vingança...
Logo entrou a bicha manicure abanando-se afetadíssima. Tinha um ar assustado temendo qualquer tipo de manifestação. Ele conhecia bem aquele tipo. Que sonha com a liberdade de gozar loucos prazeres, mas no fundo não passa de um hipócrita moralista. Condenando nos outros a mesma feiúra dos seus vícios...
"Ele pensa que eu não noto quando estou em pé nesta merda, vindo pra perto esfregar as nádegas nas minhas coxas."
Escorria-lhe o suor pela testa. Mãos trêmulas nos bolsos da jaqueta, afoitas em prescrever a sentença... Mirou na cadeira ao lado o protestante. O sujeito folheava uma bíblia numa falsa atitude compenetrada, de olho no decote da colegial sua vizinha...
"Escroto... Peca o dia inteiro pra depois pedir misericórdia aos pés da cama, certo do perdão..."
A campainha de parada zunia em seus ouvidos. Prendeu a náusea na garganta, o burburinho dos passageiros vinha ecoante... Seu povo carecia de purificação. Não teve dúvidas seria o serafim algoz, já que eles não estavam dispostos a mudar o sistema. Sacou da pistola que trazia cumprindo o holocausto...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

RESTAURO ================






Sinto muito...
Se o nosso
Amor, hoje, 
É uma recordação só
Num retrato.
Um vago espaço
Em mim
Aqui por dentro,
Que ficou,
Acusa tua presença.

E se dói...

O que é que eu faço,
Sigo em frente.
Qual o jeito!
Remendo um pedaço.

BHAKTIDUSVEDA GURU ======



Acomodado sobre o monolito incrustado de epígrafes védicas, uma mão pousada no Bhagavad-gita e a outra empunhando o narguilé de ervas transcendentais, Sua Diviníssima Graciosa Bhaktidusveda Guru (fundador da Excelsa Consciência Mística) promovia a conferência anual da irmandade...


BHAKTIDUSVEDA: Benvindos aqueles que pleiteam a misericórdia do Senhor Visnu. Para elevar-se desta fantasmagoria transitória da matéria, renascendo no Vrndavana além. A deitar por terra o cativeiro manifesto do corpo.
DISCÍPULO: Mestre... (Inquiriu o mais raquítico deles) Chego das ruas e as almas que tentei arrebanhar questionaram-me: "como alguém que prega uma vida simples, de dádivas naturais possui uma coleção de Ferraris?"
BHAKTIDUSVEDA: Patifes... Não vivemos nós na não menos abençoada era de Kali? Tudo pertence a Krsna porque provém dele. Façam uso da máquina, aproveitem da tecnologia, contanto que creiam e glorifiquem o Senhor, aconselha-nos as escrituras. Os homens deveras materialistas culpam seu insucesso e auto-realização às crises econômicas, submetidos que são a enganosa tarefa de prosperidade. Queres ser rico? Vá aos oceanos e colha as pérolas do leito. Escave até o âmago da montanha e encontrarás diamantes.
DISCÍPULO: E o harém de belas virgens? Maldiz a língua diabólica...
BHAKTIDUSVEDA: Para o sexo imaterial, tolo. São nossos espíritos que copulam. Por isto fiz dos varões, castos eunucos. Através do mero olhar de Krsna a matéria fica agitada, engravida e, então, dá à luz as entidades vivas. Daí que dizemos: Crias do Senhor.
NEÓFITA: Guru... Há semanas não levo à boca um naco de carne. (Regozijou-se ela, os olhos fundos pelo 40º dia de jejum purificante) A luz e a brisa de Krsna nutrem minha forma humana... Hare Hare, Hare Rama!
BHAKTIDUSVEDA: Por que comer animais inocentes apenas por puro capricho cruel? Matar vacas que são um manancial de leite, iogurte e coalhada.
DEVOTO: Eu saciava o torpe gozo dos sentidos, Bhaktidusveda, em churrascos com os amigos quando do meu objetivo de vida profano.
BHAKTIDUSVEDA: Queira os céus você renasça vaca e cumpra o sacrifício prescrito na Índia, berço de Brahma, e não no ocidente, onde certamente no amanhã você se tornará o bife acebolado do almoço... Que bem pode fazer a carne? Vejam como são sorridentes nossas novilhas. Seria justo comer quem é, ou pode ter sido um ente querido nosso?
DEVOTO: Trago boas recordações de uma prima nos meus antigos dias mundanos. (Remeteu-se ele, apalpando a parte faltante entre as pernas) Que filé...!
BHAKTIDUSVEDA: Misérias de uma existência sórdida. Fatídico sortilégio carnal!... Agora a dívida findou, não cometas mais pecados e ocupem suas mentes com nobres causas. Eu lhes asseguro, Dvaraka é logo ali. (Bimbalharam sinetes seguidos de vozes ocultas que entoavam o mantra sagrado)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

OS QUE ACOMPANHAM O ENTERRO =====


                                      Carolina de Jesus está morta!
                                      Isto é sabido...
                                      Quem provocou sua morte 
                                      e de outros tantos
                                      ninguém desconhece.
                                      Estes que ostentam caridade
                                      com os níqueis de suas fortunas.

                                      Carolina de Jesus está morta
                                      e nós continuamos vivos!
                                      Escravos remunerados,
                                      abjetos de barganha do capital...
                                      Tua é nossa sina, Bitita,
                                      por descaminhos diferentes.

                                      Carolina de Jesus está morta!
                                      Assim, sua memória permanece viva.
                                      Outros mais findarão sem que haja
                                      recordações e lágrimas para todos.