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segunda-feira, 28 de junho de 2010

SINAL FECHADO ===========


Caro zero. Calor de 35 graus... No trânsito moroso restava ser paciente e curtir o refresco da súbita aragem do crepúsculo. Ligou o rádio. Sentia-se todo-poderoso na máquina nova. Assim que possível instalaria um ar-condicionado.
"Devagar que se chega longe!" - Instruía o colante no pára-brisa. Até a gostosona da repartição reparou nele hoje. Pois é... Carrão último ano, algum dinheiro no banco, as mulheres já olhavam ele com outros olhos. Vislumbrava o horizonte nas frestas estreitas dos edifícios.
De repente alguém trancara o cruzamento. Confusão. Buzinas. Sinal verde... Vermelho, outra vez. Nisso uma mulata estonteante veio na direção dele. Panfletos de condomínio a tiracolo, verdadeira miragem em meio ao caos. Ficou aliviado que não fosse uma daquelas crianças que pedem esmolas nos semáforos... Debruçou-se sorridente na janela expondo aquele decote profundo. Mal teve chance de elogiá-la. Sem pestanejar a moça sacou de uma pistola rendendo Furtado.
Ordenou que parasse num lugar ermo. Vasculhava-lhe os bolsos numa revista que quase o prostrara nu. Talvez fosse um exótico sequestro sexual, deduziu... Qual o quê!? Possessa danou ameaçá-lo de morte, subtraindo o relógio, estropiando a foto da mãe na carteira... Exigiu a senha do cartão. Ele emudeceu. Furiosa ela chutou-lhe os grugumilos. Desferia coronhadas em sua nuca.
- Fala, seu viado!... Senão, arranco teu saco e te entocho. - Vociferante prometia cumprir. Exausto, Furtado disse. Sequer enfronhado nos lençóis gostava de apanhar.
Horas mais tarde, a conta-corrente saqueada, foi solto numa estrada deserta. Sem lhe dar à mínima, a mulata sacudiu-o porta fora. E muito mais que a pele tinha o orgulho ferido.

ARDENTIA ================

                    
                              Envolta em sombras                                        
                              A sonata ia pelos nossos ouvidos
                              Na faixa predileta do meu disco.
                              Entre beijos sufocados numa frase
                              Silente gemeste sustenido
                              Uma pronúncia indescritível.

                                                    Procuravas meus fechos
                                                    E os castos botões,
                                                    Dum recato disponível.
                                                    Tateou-me num estudo
                                                    Lido por teus dedos íntimos
                                                    Por mim livremente conduzidos
                                                    Em minhas coxas frívolas.
                                                    Socorria-me os seios aflitos,
                                                    Imersa no brilho da tua íris
                                                    Espelhando-me solífugo demônio adorado
                                                    Num diáfano altar eregido na penumbra,
                                                    Naquela teia de luz
                                                    Que atava nossos abraços.

terça-feira, 22 de junho de 2010

QUESTÃO =================


De que me valeu
Esta trajetória
De homem reto,
Congênito perfeito
Se cresci um sujeito mutilado...
Bom das pernas
Mais ou menos cansado.

De idéias,
De trato fino
Muito papo furado.
Certas proposições matemáticas
Na minha cabeça
Demais subjetiva.

DIA SOMBRIO ==============

Dia sombrio aquele. De um frio glacial como nunca sentira antes. Sem conseguir afugentar o sono, as idéias permaneciam confusas. Obstinado feito um zumbi...
Ao chegar a redação do jornal estranhou não haver ninguém. Será que...!? O porteiro nem notara sua entrada. Acenou, todavia, o indivíduo deu-lhe as costas. Pasmo quis contestar mas não obteve êxito, ante o peso enorme das palavras.
"Darei o troco nele, quando vier me pedir favores..." - Conhecia o tipo. - "Oh, chefia, quebra meu galho! Não tem aí um qualquer?"
Nem viv'alma, além daquela solidão infinita. Melhor assim... Mostraria ao Editor ser capaz de produzir também grandes matérias. Há semanas investigava um furo de reportagem, que abalaria a política local.
Pôs os olhos no vazio em busca daquele parágrafo inicial. Por alguma razão detivera-se melancólico no porta-retrato com a mulher e os filhos. Instintivamente estendeu a mão para apanhar uma caneta, porém espantou-se que não consegui-se pegá-la. Nova tentativa... Estremeceu!
Só então reparou num jornal sobre a escrivaninha, entreaberto na página do obituário. Etéreo esvaiu-se abstraído naquela vertigem. Numa das notas de falecimento estava escrito seu nome.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

RELICÁRIO ===============


Deixemos cair as lembranças
Pela casa tropeçá-las
Indícios fósseis
De apaixonados instantes,
Arqueologia da nossa relação.

Há algo que buscar escondido...
A saudade de outras épocas
Nos escombros da mobília.
Por entre
As tralhas das gavetas
Bem guardadas,
Nossas ilusões perdidas.

INOCÊNCIA CAPRICHOSA =====

- Não sei por que tu veio bater aqui... - Foi a recebida recepção de boas-vindas na escadaria do cortiço. Já desconfiava... Dezoito anos mofando no presídio fazia dele um estranho.
- Velhas mágoas, cunhada... Você vive demais do passado. - Acrescentou ele, desvencilhando-se ao subir alguns degraus.
- Tem lugar pra você não. Quando minha irmã era viva até podia ser.
- Se esquece que meu tio é dono disso aqui?... Eu já tô. - Volveu do topo da escada, não deixou de reparar na jovem às costas dela. - É cria tua?
- Que te interessa!... A tua tu deu pra outro criar.
E se instalou na antiga despensa. Logo a moça atraiu-se pelo desconhecido. Sobre quem a mulher mantinha silêncio, o cenho franzido. Conversava horas trepada no corrimão, divertindo insinuante o novo inquilino. Lera numa revista o caso de certa garota que namorara um homem bem mais velho. Fazia prosa duma suposta maturidade. No modo atrevido de ajeitar o penteado pondo a nuca a descoberto. Fazendo-se confidente dele, cujas melhores intenções divagavam naquela visão estonteante.
"Taí... Um bom-bocado de lamber os beiços! Apetitosamente virgem..." - Quase sempre interrompidas pelo aparecimento da cunhada.
- Rapa, moleca! - Então abordava-o. - Pensa que com esses olhos sonsos tu engana alguém... Vai, perdeu a noção do perigo? - Ameaçava ela deixando transparecer o revólver sob a roupa, com o qual defendia sua posição no bordel.
- Ela não tem o teu jeito. Puxou nada dessa tua laia.
- Não é pro teu bico... Nem pense desgraçá a vida de outra.
- Ciumêra besta, Graça.
- Ciúme de um ladrão de bosta?
- Eu que num tou nem aí pruma cafetina de puta pobre!
- Se assanha pra ver.
- Vai que eu possa pagar...
Retornando numa madrugada, Graça estranhou a menina não estar no quarto. No fim do corredor percebeu a luz acesa, uns rumores vindos da despensa. Temeu cada passo... Ao abrir a porta do cômodo viu o cunhado entre as pernas da ninfeta. Ele recuou. A jovem cobriu-se como podia atrás do travesseiro.
- Essa é tua filha, maldito! Teu sangue! Teu sangue!! - Berrava descarregando a arma no peito dele.  

sábado, 5 de junho de 2010

(RUBRICA NO COTIDIANO) =====


         Ali banhado na luz disfusa da primavera
         Um belo cenário para o prólogo citadino.
         Num ato único dramático
         Sustem-se no nada
         A parábola da ponte -
         Destinar-se...
         Carros que passam por cima,
         Barraco de tábua embaixo.
         Em cena aberta
         Pública
         Pronta para o aplauso.

         Epílogo trágico
         No entanto,
         Poético.

CIRANDA ============

A história se repete... Naquela máxima drummondiana: Cibele amava Rafa que dizia amar Pati que "ficava" com Rodrigo que não amava ninguém. Se é que alguém consegue desvendar o amor...
- Ai, Rodrigo...! Cê fica me apertando.
- É carinho, boba. Num gosta?
- Num é que não gosto. Olha só a minha roupa...
- Pôxa, Pati! Tamô numa boa, e você cheia de não me toque.
- Foi mal, gato. Sem querê.
- Jura... É que fico louco perto de você. - E lá ia a "mão-boba" passear nas suaves curvas, nos picos enregelados daqueles montículos salientes.


- Socorro, Virgem santa... Isso me dá um calor!! - Apartava-se temendo a vertigem. - Oh, meu Deus! Que coisa é essa aí embaixo?
- Desculpa, não consegui controlar.
- É tão... Assim tão...
- Você tá tão esquisita hoje.
- Tamem, né!
- Eu não sou de ferro, tá bom... Qué fazê?
- Fazê o quê!?
- Ora, Pati... O que um casal de namorados faz.
- Ué! A gente já tá se beijando.
- Num é isso! Qué dizê, é isso também. Aquilo, entendeu...
- Nessa posição... Em pé?
- E tem outro jeito! Aqui no escurinho quem vê?
- Ah, não... Cê podia me levá num motel.
- Menor não entra nesses lugares.
- Então, quando eu fizé 18.
- Até lá, Pati... Eu não guento! Vamo tentá?
- Só se for com camisinha.
- Camisinha!... É o mesmo que chupar bala com papel.
- Como cê sabe!?
- Sabendo, oras! Mas se você tiver camisinha aí, eu topo.
- Ficô doido! Se meus pais encontram esse troço na minha bolsa tô frita.
- Te amo tanto, princesa... Vai, deixa. - Suas bocas se procuram gulosamente, sem dar chance às palavras. - Só um pouco...
- Ai, Rodrigo... Tô arrepiada!
E o ato consuma-se ali mesmo nos arbustos, juntinho ao muro do prédio. Nem pensaram em gravidez, aids, o que fosse. É estranho que no amor, a gente não pense em se proteger um do outro.