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terça-feira, 24 de agosto de 2010

UMA JANELA NA NOITE =====

                                         
                                     








Olhando deste andar,
Enquanto dormes,
É um não saber transpôr...
Traçar novo itinerário
Tendo as paralelas das avenidas ao longe
Novamente rumar equidistante
No próprio caminho.
                                      
                                              Sim, foi tudo tão maravilhoso!
                                              Brincamos de O ÚLTIMO TANGO EM PARIS
                                              E até um trecho de folhetim,
                                              Nosso definitivo e sincero capítulo.
                                              Pra ter certeza que o amor se abstrato
                                              Jamais existiu
                                              E sequer pensamos em amar
                                              Um ao outro ofendido.

O GOSTO DAS MAÇÃS ========

Não que fosse bonita. Mas, em matéria de amante a mulher era um colosso. De fazer o marido coçar a cabeça aflito madrugada afora. Donos de um boteco, os fregueses eram o petisco preferido dela. Entre um aperitivo e outro o romance acontecia.
- Mundica, tu é muito generosa na dose. Taí porque a garrafa não rende nada. Que lucro tenho eu!?
Assim que o lesado se dava conta, o cacete comia... Ele sempre atrasado! Entretanto, não havia porrada que abrandasse o braseiro daquele corpo. Como se uma voz maviosa sussurrasse em seus ouvidos:
"- Engana, trai que é gostoso! Só porque comeu da maça todas terão gosto igual?" - E tapeava por pirraça. Pra sentir uma mão de carinho nas carnes doloridas.
- Tu não jurou diante do padre ser eu o único homem da tua vida? - Bufando feito um possesso, o marido punha a salmoura na fervura.
- Nunca te disseram que até o capeta é corno... - Seu sarcasmo fazia dele um pobre diabo. Como forma de punição ela decretava greve ao espôso. Para quem era pura e casta semanas inteiras. O fulano com direito adquirido não recebia chamego.
Numa dessas recaídas da devassa ficou olhando pelo buraco da fechadura. Queria decifrar o enigma... Mundica clamava arfante o nome do Ricardão subindo aos píncaros do prazer, agarrada aos engradados de cerveja no depósito.
Mais à noite na cama catou Mundica de jeito. Disposto a por fim naquele jejum sugeriu certa proposta indecente. Que durante o ato falasse como se estivesse com os amantes. Ela então gemeu lasciva uma enfiada de Paulo, Gama, Homero, Jeba, Custódio... Enquanto o libertino a possuía vigorosamente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

OUTONAL =================

                             
                                           Sela nos albuns de família
                                           Toda inocência que já tivestes.
                                           Esta mera esperança                                 
                                           De realizar o sonho
                                           Daquilo que terias amanhã
                                           O teu presente do ontem, é hoje.
      
                          É chegado o tempo...
                          Vê no passado teu futuro.                  
                          Queres ser feliz escravo consentido?
                          Uma vez na carroça tudo é conduzido,                  
                          Não se acomode com cuidado
                          Às embalagens frágeis.
                          Ladra como fazem os cães raivosos.

                                            Podes escolher
                                            Ou se arrepender do bom exemplo.
                                            Põe teu fardo de mochilas
                                            Depois do umbral
                                            Que além do quintal,
                                            Do muro que se alevanta... Logo ali
                                            Há um possível outro mundo. 
                           

EXTERMINADOR DE BARATAS =====


Sua existência medíocre e aquele itinerário todos os dias no ônibus lotado tornara-se um calvário. Como se caminhasse numa só direção, sem sentido. Seus planos de vencer esbarravam nos desacertos da pátria e nas pessoas. Passou a odiar os suspeitos daquela sua condição, os rostos sonolentos de sempre no caminho do trabalho. Era dedetizador.
Naquela manhã poria ponto final drástico aquilo... Havia o retirante nordestino que proseava a viagem inteira sobre as suas aventuras no forró. Considerava absurdo que essa gente largasse a terra natal pra se aglomerar na cidade grande, sem controle de suas crias assassinas...
"Lá no sertão não passavam de uns fantasmas esquálidos. Aqui querem ser os espertos lambendo botas no emprego." - Alguns tinham sorte até demais, repercutia em seus pensamentos. Saboreava consigo fria vingança...
Logo entrou a bicha manicure abanando-se afetadíssima. Tinha um ar assustado temendo qualquer tipo de manifestação. Ele conhecia bem aquele tipo. Que sonha com a liberdade de gozar loucos prazeres, mas no fundo não passa de um hipócrita moralista. Condenando nos outros a mesma feiúra dos seus vícios...
"Ele pensa que eu não noto quando estou em pé nesta merda, vindo pra perto esfregar as nádegas nas minhas coxas."
Escorria-lhe o suor pela testa. Mãos trêmulas nos bolsos da jaqueta, afoitas em prescrever a sentença... Mirou na cadeira ao lado o protestante. O sujeito folheava uma bíblia numa falsa atitude compenetrada, de olho no decote da colegial sua vizinha...
"Escroto... Peca o dia inteiro pra depois pedir misericórdia aos pés da cama, certo do perdão..."
A campainha de parada zunia em seus ouvidos. Prendeu a náusea na garganta, o burburinho dos passageiros vinha ecoante... Seu povo carecia de purificação. Não teve dúvidas seria o serafim algoz, já que eles não estavam dispostos a mudar o sistema. Sacou da pistola que trazia cumprindo o holocausto...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

RESTAURO ================






Sinto muito...
Se o nosso
Amor, hoje, 
É uma recordação só
Num retrato.
Um vago espaço
Em mim
Aqui por dentro,
Que ficou,
Acusa tua presença.

E se dói...

O que é que eu faço,
Sigo em frente.
Qual o jeito!
Remendo um pedaço.

BHAKTIDUSVEDA GURU ======



Acomodado sobre o monolito incrustado de epígrafes védicas, uma mão pousada no Bhagavad-gita e a outra empunhando o narguilé de ervas transcendentais, Sua Diviníssima Graciosa Bhaktidusveda Guru (fundador da Excelsa Consciência Mística) promovia a conferência anual da irmandade...


BHAKTIDUSVEDA: Benvindos aqueles que pleiteam a misericórdia do Senhor Visnu. Para elevar-se desta fantasmagoria transitória da matéria, renascendo no Vrndavana além. A deitar por terra o cativeiro manifesto do corpo.
DISCÍPULO: Mestre... (Inquiriu o mais raquítico deles) Chego das ruas e as almas que tentei arrebanhar questionaram-me: "como alguém que prega uma vida simples, de dádivas naturais possui uma coleção de Ferraris?"
BHAKTIDUSVEDA: Patifes... Não vivemos nós na não menos abençoada era de Kali? Tudo pertence a Krsna porque provém dele. Façam uso da máquina, aproveitem da tecnologia, contanto que creiam e glorifiquem o Senhor, aconselha-nos as escrituras. Os homens deveras materialistas culpam seu insucesso e auto-realização às crises econômicas, submetidos que são a enganosa tarefa de prosperidade. Queres ser rico? Vá aos oceanos e colha as pérolas do leito. Escave até o âmago da montanha e encontrarás diamantes.
DISCÍPULO: E o harém de belas virgens? Maldiz a língua diabólica...
BHAKTIDUSVEDA: Para o sexo imaterial, tolo. São nossos espíritos que copulam. Por isto fiz dos varões, castos eunucos. Através do mero olhar de Krsna a matéria fica agitada, engravida e, então, dá à luz as entidades vivas. Daí que dizemos: Crias do Senhor.
NEÓFITA: Guru... Há semanas não levo à boca um naco de carne. (Regozijou-se ela, os olhos fundos pelo 40º dia de jejum purificante) A luz e a brisa de Krsna nutrem minha forma humana... Hare Hare, Hare Rama!
BHAKTIDUSVEDA: Por que comer animais inocentes apenas por puro capricho cruel? Matar vacas que são um manancial de leite, iogurte e coalhada.
DEVOTO: Eu saciava o torpe gozo dos sentidos, Bhaktidusveda, em churrascos com os amigos quando do meu objetivo de vida profano.
BHAKTIDUSVEDA: Queira os céus você renasça vaca e cumpra o sacrifício prescrito na Índia, berço de Brahma, e não no ocidente, onde certamente no amanhã você se tornará o bife acebolado do almoço... Que bem pode fazer a carne? Vejam como são sorridentes nossas novilhas. Seria justo comer quem é, ou pode ter sido um ente querido nosso?
DEVOTO: Trago boas recordações de uma prima nos meus antigos dias mundanos. (Remeteu-se ele, apalpando a parte faltante entre as pernas) Que filé...!
BHAKTIDUSVEDA: Misérias de uma existência sórdida. Fatídico sortilégio carnal!... Agora a dívida findou, não cometas mais pecados e ocupem suas mentes com nobres causas. Eu lhes asseguro, Dvaraka é logo ali. (Bimbalharam sinetes seguidos de vozes ocultas que entoavam o mantra sagrado)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

OS QUE ACOMPANHAM O ENTERRO =====


                                      Carolina de Jesus está morta!
                                      Isto é sabido...
                                      Quem provocou sua morte 
                                      e de outros tantos
                                      ninguém desconhece.
                                      Estes que ostentam caridade
                                      com os níqueis de suas fortunas.

                                      Carolina de Jesus está morta
                                      e nós continuamos vivos!
                                      Escravos remunerados,
                                      abjetos de barganha do capital...
                                      Tua é nossa sina, Bitita,
                                      por descaminhos diferentes.

                                      Carolina de Jesus está morta!
                                      Assim, sua memória permanece viva.
                                      Outros mais findarão sem que haja
                                      recordações e lágrimas para todos.

EREZINHO ================

Um bom menino sim, tinhoso às vezes. Qual criança não dava trabalho? Nosso Senhor o criara daquele jeito... Sumia dias seguidos, depois retornava - presente embaixo do sovaco sem preocupação de embrulho.
Braços abertos ela o retinha junto ao colo. Não aquietava nunca, depressa o malandro escapulia... Maliciosa a tia ranheta caçoava tentando abrir-lhe os olhos.
- Titia... Como não conheço. Se o danado saiu daqui ó! - Apontava o bucho caído. Noutra hora admitia ter ele muito dela.
Metia os pés pelas mãos (as mãos nos bolsos do alheio, os pés na fuga). Feito louca corria atrás da fiança. Descoberto o endereço da vítima procurava convencê-la da culpa das más companhias. Nada conseguindo ofendia e ameaçava... Que custo tinha conceder o perdão? Ninguém faria do seu garoto causa perdida. A idade haveria de consertá-lo, pondo-o nos eixos.
Amor de mãe ameniza os defeitos. Mas, a justiça que é madrasta severa deu no marmanjo o corretivo à duras penas.
No domingo, dia de visita na detenção, ela preparou a melhor marmita, cigarros... Perto da portaria formava-se tremendo rebuliço. De longe viu uma moça desmaiar. Aflita deteve as passadas. Nuvens escuras pairavam sobre as guaritas. Rogou balbuciante à Iansã auxílio para o erê. O céu retorquiu com trovões...
Conduziram-na até um vestíbulo onde trouxeram o filho numa maca, o pescoço dilacerado. Enleou-se as vestes ensanguentadas e percebeu que haviam arrancado dele o coração... Agora era o dela despedaçado. Quem poderia querer tanto mal ao seu menino?