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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

OUTRO EXERCÍCIO DE BONDADE =====


Senhor
Há um único Deus
Para tantos milagres,
Muitas igrejas
E poucos santos.
Poupa-nos desta esmola
Que não faremos dela parca fortuna.
Livra-nos da tua onipresença
Estaremos sós,
Entretanto mais humanos.
Extrai deste sentimento de bondade
Meu gesto ímpio,
Dai ao Cristo quem é da Judéia!
Extingue essa necessidade de oferecer
Aquilo que nos falta tanto.

O MILAGRE DO MENINO =====

Tantas brigas por causa de se querer um filho, aí de repente ela embucha e pari uma criança... Que nem parecida com ele é!
Não seria o caso de desgostar do fedelho, embora a estória estivesse mal contada. Se tanto tempo passou nada acontecendo carecia revelar tal mistério. Prova esta que ela sempre pode dar à luz. Quanto ele... Incapaz, talvez.
"Por obra e graça do Espírito Santo!?" - Só de supor naquele desatino as idéias turvavam-lhe a alma. Preferiu não alimentar discórdias bem algum faria ao bebê. Amâncio recebia o recém-nascido como seu...
Na janela do táxi renovava-se a cada instante cenas da vida cotidiana. A troca de olhares mudos entre ambos calava-lhes a voz. Suas dúvidas meditadas no coração. Num a chaga, noutro o encantamento.
Foi decerto milagre de Deus aquela gravidez. Porventura assim houvesse ocorrido é porque o Pai caridoso tinha seus propósitos. Com uma prima sua sucedera igualmente, trazido como no sonho pelo anjo... Imaculada batizava-o em lágrimas, ela que amaldiçoou seu ventre por achá-lo estéril. Uma dessas adivinhonas viu nas cartas que seria homem de prestígio. Não havia importância no lugar simples onde nasceu. Dali sairia um rei...
Estranhamente na visita, Timóteo prometeu endireitar da bebedeira. Disposto a ser padrinho do garoto não queria dar exemplos ruins para o afilhado. Saião mandava recado poupando a mulher das surras constantes. Amém, fariam do cortiço um doce lar pra se conviver.
O carro freou atiçando a revoada de pombos ciscantes no asfalto. Endiabrado, o velho Nicuri que andara errante pelo mundo, veio ao encontro do casal. Ergueu o rebento sobre a cabeça, consagrando-lhe dúzias de palavrões carinhosos. E sendo época de natal chamou-lhe Nataniel.
Samba e forró comiam as chinelas no terreiro em louvor a chegada do menino... Prósperos os homens que se querem bem, cujos pés seguem a vereda da paz!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

P.S... (sic) ============


Sei que desconfias
tanto que tenho pra dizer-te,
mas omitirei.
Do que nos adianta
alegações rancorosas?...

Naquela conversa que se alongou
em especulações sentimentais
seguida dum desértico silêncio
dissemos o inaudito.
Foi um mal epílogo
este episódio derradeiro.

Há muitas coisas
que devíamos falar sinceramente.
Contudo, jamais são ditas
mesmo num post scriptum.
Se está tudo decidido... Deixa pra lá!

EPISÓDIO MEMORÁVEL ======


Da vida remoía incontáveis queixas. Era na morte que se comprazia seu espírito. Velórios familiares verdadeiros acontecimentos festivos. Parente próximo ou distante fazia questão de chorá-lo. Conservava o costume de registrar em albuns fotográficos cada passamento. Bem como mantinha engomado o vestido retinto para a ocasião do luto.
Ocorrido o óbito, exultante dispunha-se em transmitir a trágica notícia. Somente nestas oportunidades fúnebres conseguia reunir toda família. Nas quais comia-se e bebia-se à vontade ouvindo piadas marotas daquele tio sacana. Nessas horas esqueciam do morto, que por uns instantes ficava solitário e o salão invadido pelo riso.
Após o hiato, Ela era a primeira ir prantear à cabeceira do caixão. Assumia um ar solene. Manifestava condoída a beleza mórbida do cadáver. Num diálogo com o desencarnado como se este estivesse atento, exprimindo as qualidades do falecido ou da defunta. Todos fadados a viver no paraíso dada a sua exemplar generosidade... E ai daquele que afirmasse o contrário! Desenterrava estórias reveladoras, passagens pitorescas que então sucedera ao defunto.
Quando por fim trancavam a pobre alma, é que abatia-lhe a tristeza daquele episódio memorável.