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sexta-feira, 30 de abril de 2010

MORDAÇA =================


          O quase sem querer das bocas
          Eu te amo
          Batom
          Alguma verdade.


                Teus monossilábicos monólogos
                Minha desculpa incorrigível
                Esse confessar calado.


          Muitos hiatos...
          Rumores
          Fétido hálito
          Álibis
          Sem mencionar
          Também
          Afta.

NOVOS TEMPOS ============

"Fiz o melhor e assim me pagam! Querem se livrar do burro velho..." - As resoluções do sindicato deixavam Queixada atordoado. Cada qual por si, tirando o seu da reta. Já não confiava mais em ninguém. Garantia para alguns enquanto para ele o resto, a culpa.
- Gente... Precisa se adequar ao novo esquema. É a modernidade que tá aí! Vamos negociar. - Era um dos diretores da mesa querendo conter os ânimos.
- Deixa o paletó no cabide e vem trabalhar! - Gritou alguém na assembléia. O riso foi unânime. Mais uma daquelas e a diretoria evacuava o recinto.
- Leviandade, companheiro! Não admito insinuações baratas... Tá no acordo. Haverá oportunidade de outra colocação, treinamento... Senão, põe o dinheiro no bolso. - Nunca foi tão fácil, pega ou larga. Manteriam a mobilização da categoria, falsa solidariedade daqueles que asseguraram seus empregos. Manifestações, discursos, palavras de ordem... No final a certeza do vire-se quem puder.
Aquele Porto que era seu seguro parecia agora o mangue movediço. A vida pesava-lhe mais que a sacaria no embarque. Que culpa tinha ele  se o botão substituíra a força bruta? Não que fosse contrário ao progresso. Na sua casa também o moderno havia entrado: micro-ondas, celular, computador e dvd faziam parte da família. Porém, conquistara com o suor do seu emprego.
Queixada sabia, mesmo que ensinassem o be-a-bá onde arranjariam botão pra todo mundo? De que serviria o fulano quando a máquina é melhor?... Pois não se cansa e nem reclama.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

UTOPIA ==================

Distintos cavalheiros!!
Verdade seja bendita...
Vai à Lua quem tem foguete rápido
Salvo conduto
E sonhos,
Feito asas gigantescas
Que nos leve
Batendo
Batendo corações apaixonados.
Quais muito almejam
Nada impedem
Sem nunca cessar,
Se há dor não se percebe.

                        
                               Mas essa particular verdade
                               Não me pertence,
                               Nos persegue.
                               Pois o foguete é demais caríssimo
                               Amigo,
                               E asas quando as tenho
                               Me deixo levar.
                               É preciso avoar nestas estranhas asas
                               Que batem
                               Que batem
                               Aonde a gente vai!

O PODER DO MOSQUITO =====


Aquilo só poderia ser uma gafe do destino. Justo consigo, uma pessoa requintada! Assídua frequentadora das colunas sociais. Tida como quase amiga íntima da Primeira-Dama, figurar assim nas páginas do cotidiano daquele jornaleco. O modo como se referiam era ultrajante:
"Perua Socialite Abatida Pela Dengue."
Queria levantar não conseguia. Estava em frangalhos. Era difícil atinar, doía-lhe a cabeça, os olhos. O corpo então, sentia-se o próprio Judas malhado no sábado de aleluia. Aquelas manchas provocavam-lhe asco. Nem o melhor creme Helena Rubinstein daria solução.
Na janela a paisagem estampada era dos barracos alastrando-se pela redondeza. Tinha convicção de que o mosquito morava ali. A infestação vinha de lá.
- Nete!! - A doméstica veio correndo. - Leva essa sopa horrorosa daqui...
- Posso trazer a "comadre" agora, ou depois?
- Mas que abuso! Diz mais alto pra toda vizinhança saber.
- Sim, porque da outra vez a patroa fez as necessidades no lençol. Nem deu tempo, não foi?
- Não facilita, Nete. Eu te jogo no olho da rua!... Vê se cumpra suas obrigações calada. Põe água pra minha planta... - Nete se foi agourando a outra. - E não esquece do pratinho no vaso. Te esfolo caso você molhe meu tapete persa! - Fazia calor e nunca deixaria sua samambaia de renda portuguesa morrer à mingua.
Nisto zumbiu pelo quarto um inseto... Ela empalideceu! Mal lembrou do inseticida na cômoda, num tapa certeiro o monstro caiu aturdido sobre a cama. Naquele mosquito ela reconhecia a força dos pequenos. Daqueles que são quase nada. 

sexta-feira, 16 de abril de 2010

PERVERTIDA VÍTIMA CONVENIENTE =====

A vítima declarava-se
Era irrequieta,
Atrevida,
Fogosa!
Eva desfrutável
De encher os olhos,
Fresco sorriso.

Perdera, 
Com a má inflexão da palavra...
O cabaço!
Como nada houvera perdido
Encontrara-se no paraíso
Envolta nas ancas de um Adão inominável
Punha seu mundo a perder...
Dera a cobra distraído sumiço
Até se dar conta
Destes vagos prejuízos.

Era notório
(Eu bem sei)
Dava-se por recatos doentios
Expulsa,
Apedrejada
E maldita.
Ela prometia nada dizendo
Permitia-se
Ouvir confissões
Por cima ou por baixo
Sem lhe importar quem dizia.

ANOS DE AIs... ==========


Na maioria das noites começa como num devaneio primaveril-tropical, comigo a passear pelo campo florido de rosas rubras. E ao olhar na aurora surreal do horizonte vem acelerado um pelotão de coturnos obstinados, crescendo... Agigantando-se! A espezinhar as flores aterradas, vertendo profundo mar de sangue sobre a terra gentil que me engole... Uma voz berra obcecada, "desembucha, comuna de merda!!"
Então, eu acordo banhado em suor. Um gosto acre na boca, agonizante no chão do quarto. Por mais que fuja o passado revive onde estou e vou. Esse temor usurpou morada na minha cabeça. Sou um fantasma da história!... Herói inglório. Por que desejaria agora medalhas por bravura? 
Nos noticiários da tv e nas ruas a realidade segue deste modo que sempre foi. Com as pessoas nessa lida infindável do sobreviver. Na busca de comer e da bebida, do descanso eterno. Sem maiores pretensões que esta de estar vivo acima dos sete palmos que nos é destinado. Preocupadas com os mexericos alheios, a novela e o futebol... A tempestade e o sol inclemente porvir.
"O sonho terminou!" - Ouvi naquele bizarro 1968, de um angustiado companheiro na masmorra da Ditadura. Seria a premente desesperança de um sonho só?... A luta apenas iniciara, agora segundo a nova regra deles.
Hoje, tal e qual ontem a indiferença é a máscara comum no rosto da multidão autômata. Apagar as marcas do que se foi. Onde a semelhança não pára somente neste aspecto admirável. Sobretudo, nas suas fúteis alegrias e constantes desgraças. Outros mais nascem para que se repita igual rumo sórdido dessas rosas esmagadas, sem viço...
Dentro de mim a dúvida repercute. O que fizeram de nós? Tutelam o caminho, nenhuma curva acentuada à esquerda... Escravos consentidos do Capital!... Meu corpo vacila e perturba-se ante a recordação das horas de purgatório da tortura: choques na cadeira-do-dragão, da palmatória ardente, suspenso num pau-de-arara, gritos e ranger de dentes... De trazer às costas os erros do mundo, além de ter recebido o castigo por minha própria culpa. Em querer modificar o imutável, alterar a ordem e o progresso das coisas... Os responsáveis estão soltos por aí, querendo se fazer de carrascos vitimizados. Mas foram eles que feriram a Democracia na sua pluralidade. De pensar e de existir. Fizeram do arbítrio força de Lei... Como democrata lutei pela Liberdade. Quis um país de oportunidades iguais... Valeu à pena? 
O Homem do tempo informa "céu de Brigadeiro" na previsão meteorológica.  A vida passa entre o asfalto e os pés dos transeuntes.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

SEM TÍTULO ===============


Por tudo mais que possa parecer ínfimo,
essa impressão débil dos nossos atos.
Além dum epitáfio muito justo
incondicional no pétreo túmulo
de quem se foi sobre a Terra
é vivendo exageradamente hoje,
mais próximo dessa brevidade
que evita-se morrer um pouco a cada dia.
Pois debaixo dela esterco para a semente,
iguaria para os vermes.
Ainda que tudo dê numa erva-daninha viçosa,
pasto para tanta fome
ou flor da aparência ruminada
estabeleça então a vida,
mas para ti já não representa nada.

À DURAS PENAS ============


Naquelas horas de desespero Ele bem sabia quanto o amor poderia ser ingrato e pior, cruel. Acuado na cela com tantos olhares perversos em cima dele, Romeu experimentava o asco de uma intimidade tão próxima. Ele que nos tempos de passeata estudantil amou os desfavorecidos e as multidões.
Preso pelo desamparo da pensão alimentícia do filho sentia na pele e no orgulho a vingança da mulher. Que o alcançara com a estranha mão da Justiça. Talvez se tivesse dado ouvidos à mãe, jamais teria um conluio com aquela desqualificada. É... Por trás daquele perfume todo que ela usava, a sogra farejara o fedor. Agora entregue a sentença diabólica da ex, Romeu via o inferno se avizinhar. Decerto ela não desconhecia o purgatório que era a cadeia... Infeliz condenava-se pela insensatez.
Logo que chegou rasparam-lhe a cabeleira, ícone de sua rebeldia. Discursou sobre a solidariedade. Quis se entrosar não teve jeito. Tinha as costas doloridas pelo peso da faxina... Ele que nunca lavara um prato em casa!
Mas o auge da sua degradação estaria por vir. Num sorteio não muito honesto ele havia tirado o grande prêmio. Numa noite de gala, conhecida como "A festa da Jane" fora eleito a noiva de todos. Um amor odioso, sem juízo o fizera refém.
Vestido rasgado, maquiagem borrada, Romeu ajoelhou-se entregue e impotente às agruras das paixões violentas.


segunda-feira, 5 de abril de 2010

SOLILOQUAZ ==============

Vivia desconfiado
Deste sentimento atroz
Chamado amor...
Por que me deixei distrair,
Ser enganado novamente?
Apesar de toda prudência:
Não amar demais
Saber que poderia perder.
Outra vez sucumbi
Ao impulso de alegria transbordante,
Agora tomado pela catástrofe da infelicidade.
Parto de mim mesmo
Sem alguém a quem somar-se,
Dividido... Queixoso.

Contudo, renasce a esperança
O coração mente pra que a gente
Volte a acreditar...
Este traidor inconsequente.
Prossigo nesta "errância amorosa".