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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

INÚTIL EVASÃO ===========









Perdidos no mundo,
Extraviados em si mesmos,
Cada saída,
Qualquer latitude nos hemisférios
É um retorno
À porta de entrada. 

A VIDA NAS FÁBULAS ======

Outrora viviam numa árvore do meu jardim, sob à sombra das folhas tenras, um Caracol e uma Taturana. Confabulavam no entardecer bucólico, o céu rajado de matizes vermelhos, amarelos, lilases a borrar as nuvens estriadas.
- Tenho pensado em me mudar. - Dizia o molusco. - Não de casa, evidente... De lugar! - Fazia planos para iniciar nova dieta. A lagarta que não era muito de conversa, pois vivia com a boca cheia escutava meditabunda. - Pra mim, basta! Serei outrem!!... A horta aí do lado parece um ótimo recanto. Quiçá, lá eu encontre meu parceiro ideal. Aqui todos me olham esquisito! Não bastasse pichar Dona Cigarra, a linguaruda da Comadre Formiga deu pra se meter comigo. Ser hermafrodita não é assim, esse bicho de sete cabeças... É?
Eloquaz a Taturana engoliu a seco e desembuchou:
- Cada um veste-se com a roupa que possui.
- E comenta de você também. Um escândalo! Diz que quem te vê não te conhece... Bom, nem quero entrar em detalhes.
Na maioria das vezes tais intenções dele não passavam de queixumes, promessas vazias. Caseiro demais pra arriscar-se numa aventura até a horta vizinha. Quando avaliava as tragédias eminentes desistia. Deslizar incauto na crista de orvalhos agrotóxicos, as cáusticas lambidas do sol abrasador ou o apetite de uma corruíra faminta... Visões aterradoras do seu prematuro extermínio.
- Eu odeio esse canibalismo da natureza! Todos devíamos nos tornar vegetarianos. - Por conseguinte, aceitava o destino como lhe tinham escrito.
- Não é trancado em si mesmo que o universo vai abrir-te as portas. - Arguia a lagarta.

Dias depois ao procurar no galho a Taturana, o molusco deparou com aquele casulo tosco embalado pela brisa.
- Eu neste dilema existencial, e você resolve logo agora fazer um retiro espiritual...
Numa bela manhã de mesmices, o Caracol ouviu um frenético bater de asas e uma garoa de pólen aspergida pelo ar. Então, reparou que a lagarta dentro da pupa transformara-se naquela fabulosa borboleta.
    

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

BREVIDADE ===============



Escoa o tempo tão rápido
a tornar efêmero tudo que toca,
misterioso o porvir
e distante tudo que passa.
Pérpetuo companheiro das horas tristes,
oráculo do esquecimento.


OBRIGAÇÕES DE PAPAI NOEL =====

Considerou bom augúrio ser escolhido para representar a figura de Papai Noel. Aposentado, o "bico" de final de ano garantiria a ceia de Natal e a lista de remédios... Mal se reconheceu no traje escarlate, a barba postiça cobrindo-lhes as rugas. Sua voz por encanto mudara.
Desceu de helicóptero no centro, a multidão aguardava ansiosa. Os sinos da catedral badalavam acompanhado do coro solene de anjos de auréolas tortas. Cumprindo-se a noite feliz ofereceram-lhe a chave da cidade. Muito além das medidas para abrir qualquer porta, e do alto não vira tantas chaminés assim. Como agradecimento fez soar a inconfundível risada rouca aprendida dos sósias. Logo depois foi conduzido ao pedestal da árvore reluzente, cenário em que a quimera natalina se completava...
A fila acorria interminável até ele para confidenciar seus desejos, um turbilhão de lágrimas e sorrisos comoventes:
- Quero uma boneca que fala para brincar comigo. Porque não tenho nenhum amiguinho. O senhor dá? Promete?
- O meu pedido... É que Deus do céu me desse mais alguns meses de vida. Não me leve antes do meu neto nascer... Eu vi os exames! Ninguém dá nada por mim. Fala com ele!!
- Eu queria uma roupa nova pro natal. Que o senhor conseguisse emprego pro meu pai. - Pediu o engraxate. Olhos fitos nele, a súplica confiante dos demais. Como se todos depositassem suas derradeiras esperanças naquele saco de surpresas.
Dominado pelo conflito ele pouco atinava como atender tais pedidos, e que Papai Noel algum realizaria... Ah, míseras crianças! Acaso soubessem que não passava de um inocente "faz-de-conta". Por baixo daquela roupa escondia-se um velho desafortunado.
Enlouquecia a cada aproximação temendo o próximo pedido. Desiludido arrancou as vestes e saiu correndo pela rua.

sábado, 26 de novembro de 2011

MÁCULA ==================


                                   Havia algo de bom em mim
                                   Pelo que te enamorastes,
                                   Cujo sentido se desencantou...
                                   Para quê atravessastes meu destino,
                                   Se nos tornamos estranhos
                                   Um ao outro?
                                   Cada qual num seu caminho.
                                   Como te sentistes maculada
                                   E repeles esta afeição
                                   Esteja certa,
                                   As marcas do teu amor
                                   Indeléveis neste coração
                                   São minhas feridas.



CONSCIÊNCIA DE CLASSE =====

"...Empresa multinacional exemplar, tudo fachada!!... Tratamento de primeiro mundo só para os seus!..." - Há dias ele vinha com aquilo na cachola. Nem acreditava que o médico da Firma alegara que suas dores nas costas não eram provenientes do trabalho exercido ali. Mas sim de funções anteriores num outro momento de sua vida, pois nada fora detectado pelos exames.
- Uma das funções exercidas pelo Sr. foi pedreiro, não é? O amigo precisa melhorar sua postura... Tome estes comprimidos. É um relaxante muscular... E vamos acompanhar a evolução do quadro.
Não podia aceitar de modo algum aquele laudo. Mesmo assim, continuou firme na descarga de açúcar do Porto. Em cada tonelada suada agregava valor ao produto com rancorosas cusparadas e doses etílicas de urina.
Na saída do seu horário noturno, como de costume logo pela manhã, enchia a cara. Era uma espécie de analgésico para o seu espírito arredio. Sem desconfiar vivia o desespero latente do qual nos constata Kierkegaard.
Falavam tanto em excelência, plano de metas e um blábláblá patronal sobre produção eficiente.
- Não queremos funcionários acomodados... Negativos! Que não tenham foco no trabalho, não dispostos a dar o máximo de si. Que ficam pelos cantos do Terminal se queixando para desvirtuar os bons. Esses aí, não se preocupam com a família de vocês... Ao invés de pedir, conquiste! Antes de exigir da Empresa, se pergunte o quê  você tem feito por ela. - Tentava impingir o Chefe, a Política da Firma na palestra motivacional. Claro que ele, não entraria no mérito do reajuste salarial tão defasado. Ou o horário da escala de trabalho cheio de truques, que roubavam horas extras aos operários, o desgaste físico provocado pelas atividades insalubres. - Pensem que vocês têm salário em dia... Pior é estar desempregado! E pra manter é necessário atingir os objetivos... - Quem diria que por trás daquele sorriso largo, as atitudes cheias de camaradagem, havia um carrasco. Se a Alta-Chefia dava-lhe um arrocho, ferrado apertava os de embaixo. Como o tal sempre desculpava-se, "os homens lá de cima mandaram".
Certamente naquela manhã encontrou um recadinho no banheiro privativo, escrito com pincel atômico em linhas tortas:
"Cagando, né?
 Agora tu não é malandro,
 nem chefe. É um bundão
 com as calças arriadas fazendo força,
 igual todo mundo." - Ele ria ao imaginar a reação do Chefe ante a verdade simples na porta do banheiro.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

URGENTE =================


Caiu um avião,
O expresso descarrilou...
Naufragaram todos.
É a bomba! -
Cérebros vão pelos ares.
Hoje à noite
No horário nobre
As estrelas
São os mortos.


O GLAMOUR DE CÉLIA ======

Célia quando jovenzinha possuía núbeis peitinhos empinados, insinuantes quadris, a pele aveludada num corpo sinuoso. Naturalmente uma preciosidade feminina, de fazer despertar o sentimento pedófilo na mais puritana das mentes masculinas.
Até quis ser dançarina de programa de auditório, sonhava com os astros da televisão colados nas paredes do seu quarto...
"Você jogou fora
 o amor que eu te dei,
 o sonho que sonhei..." - Tocava o aparelho de som a fazer duo com ela.
Nos concursos da cidade, no palco da pracinha todos os olhos voltavam-se para tão invejáveis atributos feminis. Ao que a danadinha requebrava com maior volúpia na intenção de ser descoberta por um desses empresários artísticos. Ela capaz nem desconfiasse que seria o motivo secreto de rios de esperma ejaculados por jovens e velhos. Mas aquilo de glamour não era para ela, num revés do destino escapou-lhe...
O tempo passou, Célia vive na sua cidadezinha. Casou e foi abandonada com três filhos pelo marido... A primeira vez aconteceu na festa de 15 anos, o fálico presente dele tornou-se futuro no inchar daquele ventre delicado.
Aos domingos ia a casa da mãe. Lá sempre tinha almoço farto e algum falatório, evidente. Apesar dos reiterados conselhos, contradizia com insensatas certezas e mostrava-se dona de uma sorte ingrata. Estranhamente se sentia no alto duma montanha, sem caminhos novos por onde seguir e lá embaixo a vida sem novidades.
Célia passa pela rua a arrastar os filhos. Hoje só não causa indiferença pelo mal jeito cômico com que trata as crias. Nem o padrasto "seca-lhe" mais à procura das formas nubentes. Está acima do peso e já nem sonhava mais, vive cheia de pesadelos.

sábado, 22 de outubro de 2011

TORMENTA ================

Uma ilha aquele apartamento, varrido
por repentino mau tempo...
- Estou indo embora... Pra nunca mais.
No horizonte da vidraça brusca
intempérie... Inunda-lhe uma lágrima.
- Sem você não consigo viver... - Murmura
dolente, quase inaudível. Agitada a
samambaia sacode com o vento da fresta.
- Como foi mesmo que nós chegamos
a esta situação difícil?... - Fere o
hiato lascinante relâmpago. A pergunta
os atormenta... Serve-se o veneno da
angústia, daquilo que consideram remédio.
- O que foi que não te dei...?
- Não queria que fosse assim... - Os lábios
de mornos beijos só fazem ofendê-los,
produzir o mal. Depois da perda de nada
adianta lamentar tantos sacrifícios, pois
o fato está consumado. Para o fim
do romance se encaminha... Antes de ir
no limiar da hora inadiável,
o balsâmo da despedida...
- Não sofras tanto. Sejamos bons amigos.
Convulsos soluços... Abandono.

MEU VIZINHO PLANTOU... =====


E foi que um dia resolveu, dadas as dificuldades de fornecimento pelo tráfico, plantar umas sementes de cannabis ativa no quintal. Logo a logística do cultivo estabeleceu-se em seus neurônios escassos. Pretendia criar uma espécie de estoque regulador. Estaria precavido da entre-safra do comoditie e circunstanciais dificuldades financeiras... Abastecer a comunidade da "Babilônia suspensa"! - Queimava a mufa a matutar. O vulto do negócio assustava-lhe e considerou melhor fumar a planta das folhas à raiz.
Baseou-se em manuais de agricultura, matérias de várias revistas. Lera farta literatura, se considerava um expert no assunto, aliado aos anos todos de consumo - Será que já fumara um alqueire?
Depois de cuidadoso cultivo vicejaram escondidos no canteiro uns folhudos pés de marijuana. Planejava talvez fazer um bolo nutritivo. As informações extra-científicas colhidas davam parecer de que a "viagem" era garantida, ou um outro produto feito a partir de tão versátil vegetal.
Num sábado desses de folga aparece em casa o sogro, e repara no jardim um pé daqueles. Ele temeu que o velho reconhecesse a erva. Qual desculpa daria? Nascera por acaso ali, tanto tempo que não mexia com plantas...
- Que mato é esse aí!?
- ...! - De repente esquecera as palavras.
- Será um pé de Mastruz? Tá diferente... Grande! - E pôs-se a esfregar as folhas e cheirá-las.
- Coisa do adubo orgânico... Titica de galinha, merda de cavalo...
- Isso é mastruz!? - Inquiria o sogro tentando esclarecer sua ignorância botânica.
- É de outra qualidade.
- Não conhecia...
- Mastruz de índio.
- Anh!...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

NADSAT ==================

Em berço esplêndido
és mãe gentil,
mas relega teus filhos
à Pátria madrasta.
Garotos malvados,
vão quebrar vidraças
fazer molecagens
trepar por aí.
Cometer inconsequentes enganos
mostrar a língua qual sabem falar,
puro desacato desafeto.
Levando tanta porrada
já não sentirão dor...
São aberrações das tuas entranhas.



Mas descansem em paz,
Sossseguem vossa integridade
De adultos exemplares:
Responsabilidade de pai,
Inocência de mãe.
Envelhecer não requer idade...





Eis teu pródigo legítimo herdeiro -
Perdeu a graça o brinquedo sério.
Necessário é ser moço convicto,
Tomar na foto seu lugar devido
E abrir um largo sorriso.
Logo estará ele num Caminho Suave,
Viciado nesta sua droga de vida
Vai morrer de overdose.

CIDA ERA O NOME DELA =====

Numa cidade esquecida nos rincões deste país, uma mulher que enviuvara recentemente estava prestes a dar à luz. Embora, o fato de tornar-se mãe não a transformou como deveria.
Tempos depois que as gêmeas nasceram a mãe destas muito cansada dos afazeres resolveu adotar uma menina de rua como afilhada para ajudá-la nos serviços da casa. Cida era o nome dela.
Isso no começo, porque depois passou a obrigá-la fazer todas as tarefas sozinha. E quando Cida quebrava alguma xícara, ou não limpava o chão direito sofria os mais odiosos maltratos. Entre eles: apagar cigarros em sua pele, amarrá-la nua num quarto escuro.
As obrigações eram tantas que ela mal tinha tempo para se cuidar, por isso vivia de roupas puídas, os cabelos desgrenhados e não ia à escola como as "irmãs". Tinha os dedos furados pela agulha de tanto remendar as calças das gêmeas, as quais não davam a mínima pra ela.
Cida apesar dos pesares possuía um coração de ouro. Enquanto a megera perseguia os gatos que rondavam o muro, ela os alimentava às escondidas. Durante a dura faina cantarolava os sucessos das paradas pra espantar o cansaço.
Certa manhã em que mãe e filhas tomavam café souberam pelo rádio da realização do 'Grande Baile Anual de Máscaras', prestigiado pelas famílias bem sucedidas da sociedade. Um alvoroço irritante se instalou entre as gêmeas naquela semana. No seu íntimo Cida gostaria de participar, mas manteve-se quieta. A verdade é que ficou tentada, afinal não se divertia nunca.
Enfim chegou o dia tão esperado. Pela tarde as irmãs se preparam e fazem planos para a noite festiva. Tendo trabalhado a madrugada daquele dia em silêncio, Cida dava os últimos retoques na limpeza. Ao perceber as intenções da moça, a viúva tratou de impedir a filha adotiva:
- Cidaaa! - Esbravejou para em seguida indicar maquiavélica. - Faça-me o favor e dê brilho na minha baixela de prata, senão...
Desapontada a jovem deixou escapar baixinho um palavrão daqueles e às pressas lustrou toda peça de jantar com seu cuspo raivoso.
Escondida ela se aprontou para o baile. Ajeitou-se num velho vestido que guardara, penteou as longas tranças. Mas de tão exausta e hipnotizada pela sua imagem no espelho, adormeceu. Não faria mal algum cochilar até a hora de tomar o ônibus para a festa. Ficaria mais disposta...
O Casarão Municipal era deslumbrante e estava lindamente iluminado, fazendo reluzir as bijouterias nos pescoços das senhoras. Os pares pareciam flutuar enquanto dançavam, deslizantes pelos desenhos no mármore do piso.
Ágeis garçons equilibravam, entre os casais, bandejas de bengalinhas açucaradas, amontoados de croquetes, filas de gordos brigadeiros e taças de borbulhantes refrigerantes. Um lindo rapaz ofereceu-lhe sortidas maçanetas carameladas deliciosas. E sorria! Adorava... Maçanetas Carameladas!?
De repente despertou com o baque da porta... Dormira agarrada ao pé de sapato. Olhou o relógio, os ponteiros passavam um pouquinho da meia-noite. A família retornava da festa com grande alarido. As gêmeas suspirantes pelos rapazes, a viúva exausta de tanto dançar.
   

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

SE ASSIM PARECESSE SER =====


Se a natureza seguisse o curso da vida...
As abelhas nos ensinariam
Que digno é fabricar o mel precioso,
Enquanto a rainha se farta na colméia.
A aranha como enredar a vítima inocente
Na sua trama maquiavélica.
O burro a sapiência
Pelos fardos que traz às costas,
Qual um Atlas resignado.

           Sabeis, o segredo da sobrevivência
           Está em tornar-se labutante formiga
           A ceder aos caprichos da cigarra vadia.
           Pois heróica é a existência dos bichos
           Lutando pra não morrerem famintos.
           Sejamos então como as gazelas,
           Bocado servil e necessário
           Às goelas dos insaciáveis leoninos.
           Se assim parecesse ser...
           O humano, esse rei dos animais
           Herdaria das parentas hienas
           O escárnio pela desgraça alheia.

Acaso as selvas fossem cidades...
Os homens devorariam uns aos outros,
Se acasalariam e viveriam satisfeitos.
Porém, e haverá ad hominem sempre
Uma ovelha negra desgarrada do rebanho
Porquanto bendita esta criatura que subverte
A mansidão do paraíso,
Aprendendo com a víbora sorrateira
Morder os calcanhares
Daqueles que lhe pisam.

LIXO DOMÉSTICO ==========

Outro dia na escola durante a aula de Ecologia, Marcinho aprendeu o que serve e o que não presta para ser reciclado na coleta seletiva do lixo. A professora explicava a importância de separar materiais como latas de molhos, caixas de leite, potes de geléia, pets de refrigerante a fim de que sejam transformados em novas embalagens, preservando assim o meio-ambiente...
- O que se joga no lixo? - Instiga a Professora.
- O que não presta.
- E o que é que não presta?
- Restos de comida, poeira do chão, papel higiênico usado... - Responde entusiasmada a classe.
Filho de pais divorciados, ele tenta entender as pessoas grandes. Percebeu que se não presta, separa. Tornou-se um náufrago nos braços dos dois... O pai não comparecera a reunião de pais e mestres, tampouco deixou dinheiro para a mensalidade escolar, a mãe comenta:
- Teu pai não presta mesmo!...
"Ih...! Pra recolher o pai só o caminhão do lixo." - Pensa o maroto astucioso.
Enquanto ajudava nas tarefas da casa, Marcinho quebrou um copo, a mãe irritada ralha:
- Esse menino! Não presta pra nada também. Vive dando prejuízo.
Ele ouvindo tanto dizer que o que não presta joga-se fora, fica assustado esperando sua hora. 


domingo, 4 de setembro de 2011

POSSESSIVO DIALÉTICO =====


                              Se te chamo minha
                              é porque a ti
                              pertenço.

                              São apenas
                              concessões provisórias,
                              sem propriedade.

                              A quem posso
                              possuir
                              se nada
                              tenho.

INOCÊNCIA FEMINIL ========

18 anos, talvez menos. Omitia a idade. A moça já era um furor. Entretanto, tudo nela transparecia inocência feminil.
Odiava-se pela educação rígida que tivera do pai. Como um fantasma a lhe assombrar, mas não o suficiente para amedrontá-la. A impor tantas proibições cruéis aos seus latentes desejos... Por isso nos primeiros encontros às escondidas, só deixava que namorados lhe acariciassem os peitos e gozassem entre suas coxas. O que só fazia aumentar seu tesão juvenil. Depois tomou coragem e permitiu que lhe penetrassem mas somente no cú, temendo perder a virgindade.
Tinha um fraco por dentistas e farmacêuticos. Os primeiros por serem garantia de um álibi perfeito e com os segundos conseguia as mais loucas "viagens".
Se a mãe soubesse de suas façanhas sexuais e como tirava prazer daquele corpo púbere, duvido que não morresse de inveja.
 

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

NOTÍCIA PARA MANUEL BANDEIRA =====

                          
                       De madrugada
                       Mata a mulher,
                       Os filhos
                       E dá cabo de si mesmo.

                       Corre a vizinhança
                       Antecipa o sol
                       Trazendo a réstia das velas,
                       Pasma em espanto...

                       - Que Deus os acolha num bom lugar.
                       - Vá o maldito pro inferno!

                       Anjo bêbado sem juízo, sem salário
                       Agradou a Deus, não menos ao Diabo.


A ESPERA NO SENHOR =======

Uma vida de agruras aquela, a saúde lastimável. Mas ele tinha fé num deus todo-poderoso, fiador de sua alma, que nunca lhe abandonara. A gente mundana e seus pecados a atrair calamidades, infortúnios, a fazer prevalecer o inimigo. Em meio a multidão de pecadores pretendia-se distinto.
Todos os dias ele ajoelhava-se e suplicava ao Senhor uma graça qualquer. A realização de seus mesquinhos desejos, amenização de suas dores, salvaguardá-lo das desgraças. Pedia fervorosamente ao céus que os negócios não fossem mau, nem caísse o faturamento, pois o dinheiro é o preço da vida, e não vivesse ao "deus dará".
Com isso acreditava arrancar de suas bençãos as dádivas de alguns trocados para o feijão e a tira de carne de um boi condenado... Quando não jejua compulsoriamente, cumprindo as regras de determinado ritual. Haveria de prosperar na fé, Deus ensinara-lhe como administrar sua vida. Pelo seu sacrifício queria receber para estar à altura das grandezas do Pai Celestial.
Adulava Deus se fazendo obediente na presença do Senhor. E do Pai seria devedor caso não difundisse o Evangelho. Poderia padecer pior, não fosse a consideração que a divindade dedicava ao servo fiel. Mesmo quando uma fatalidade decepara parte de sua perna, Deus poupou o resto para que desse testemunho da divina misericórdia.
A ele é dado suportar todas as necessidades, na crença de que no fim tudo sairá bem.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

DRAMÁTICO ===============

Encontraram-se uma única vez,
Com a sensação de que fosse a última...
Porém ambos se completam,
Há de ser pra todo sempre.
Farão deste acaso, destino.

                    Trocam ingênuas confissões,
                    Descobrem mútuas afinidades.
                    Selam longos beijos...

Se não der certo!?
Haverão de morrer...
Já querem sofrer
Pelo alívio da reconciliação... Se houver.
Que não seja ela,
Nem ele!
A cometer semelhante crueldade.
Outro alguém
Com igual gosto
E desejo, nunca!


Ainda assim, eles só querem
Ser um do outro,
Correr o risco. 
Literalmente,
Quando isso terminar
É que se darão conta do drama.

PAPAGAIO EXPIATÓRIO =====

O papagaio era tão tagarela que por vezes parecia conversar, punha a língua no mundo e soltava o verbo. Sem essa de curupaco. Quem não o visse além do muro no poleiro, achava tratar-se de voz humana.
- Graá... Ei, tô vendo! Tô vendo!
Sob os cuidados da Dona não faltava-lhe sementes de girassol e uma boa rodada pela manhã de piadas de parentes seus, enquanto ela lavava a louça do café.
- O fulano bebeu tanto que tava chamando urubu de meu louro... - Ah, sim... Tinha daquelas de inconfessáveis palavrórios e também onde o papagaio "se fu".
Um dos maiores prodígios, condicionado pelo Dono era catar sementes com uma colherinha.
Vivia o casal uma fase difícil brigava-se por nada, ofensas trocadas eram o mesmo que elogios... O marido então ao chegar do trabalho passou a perceber que o louro trocava seu nome ao vê-lo, não sei se de propósito.
- Graá... Graá! Oh, Nelso!... Nelso! - Entre roufenho e estridente... Aquele psitacídeo só podia estar de sacanagem! Ficou ali na dúvida, desconfiado se periquito fazia e papagaio levava fama.
Meses depois quando o homem resolveu dar um basta, para a audiência litigiosa de separação de bens o Juiz convocou a ave como testemunha de acusação.
P...da vida a Mulher resolveu calar o bicho e tentou fazer dele um galeto. Receoso de perder a prova viva da desonestidade matrimonial, o marido acionou o Serviço de Proteção à Testemunha. Vive ele agora numa gaiola, disfarçado de cacatua, escondido por aí.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

CARDO ===================


                              E foi que cai dos céus me espatifei
                              em sementes de angústia,
                              joio semeado no asfalto -
                              rebento duma placenta ulcerada,
                              meu vagido quando nasci
                              ecoou num grito desespero
                              e no colo magro tive inquieto sossego.

                              Seria nas sarjetas enlameadas berço,
                              depois meu recreio.
                              Muita tentação das vitrines,
                              muito cigarro pelo ministério proibido.
                              Muito fazer na oficina do diabo aqui embaixo.

                              Se a mim não deram escolha:
                              - Vai cumpre teu fatídico carma!
                              Onisciência de uma lógica insana.
                              Tenho assim escolhido segundo minha vontade.

LÉ MIU PAI... TATI ======

Brincava com o filho rolando no colchão, dando-lhe apertões enquanto a criança ria.
- Ahá!...
- Pai, mil colação!... - Indicava aflita pondo as mãos sobre o ventre.
- Não, meu filho, aí é a barriga. - Colocou em seguida a mão dele junto ao peito, onde batia aquele coraçãozinho agitado.
- Ah... Lé ati.
- Tá sentindo?... Tum-tum, tum-tum!
- É o papai!! - Sorria o garoto a repetir o tamborilar contra a palma da mão, percebendo o jogo.
- É, filho... O papai botou o brinquedinho pra funcionar aí dentro.
- Lé miu pai... Tati.
Ele estancou comovido.

     

sexta-feira, 29 de julho de 2011

ADULTÉRIO ===============



Tínhamos algo em comum,
Complementos
da incomplenitude.
A mesma cama,
Idênticos reclamos,
Exatamente idem...
Conivente cumplicidade.
Igualitária partilha,
Igual necessidade.
A mesmíssima muher,
Igualmente traídos.


PARA QUE OS VELHOS NÃO ESTRAGUEM =====

Quando em vez a filha colocava-o na frente do portão da casa para tomar banho de sol. Mantinha o olhar no além, ao passo que escorria um filete baboso pelo canto da boca entreaberta, como a aguardar somente a hora de botar terno e um cravo na lapela. De fato havia naquela sua palidez, na imobilidade resoluta e neste rígido silêncio algo da expressão cadavérica, enquanto tostava a pele lívida embrulhada nos ossos, feito uma roupa frouxa, com aspecto de cera enrugada.
- Vamos ter paciência com o coitado, a gente não sabe até quando ele vai durar. - Apiedava-se uma neta já conformada com a demora dele partir.
Perdera-se em tristezas a felicidade... Vinha a mosca e ele, impertubável! As crianças em algazarra acertavam-lhe a bola sem queixa alguma de sua parte. Encostava um cachorro a mijar atrevidamente aos pés da cadeira, ele alheio no seu torpor como que a sonhar eternamente.
Nesta sua posição nem tudo era incômodo. Uma vez esquivou-se da morte quando houve um tiroteio e se livrou de ser o destino de uma bala perdida. Alguém teve a sensatez de perceber.



- Graças a Deus, não se moveu do lugar!
Ao primeiro sinal de chuva a filha acorria com medo que ele se estragasse.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

PARÁBOLA ================

Em quais tempos haveríamos de falar?
De ser o protagonista moral na apologia:
Sapo que rivaliza o boi, de boca fechada
Não engole mosquito.
Por menos engasga-se, é o que tenho visto!

Vamos por o rei a nu
Realizar a fábula,
Lançá-lo ao boralho da mendicância
E a sujeira das ruas.
Onde trafegam sapatos apertados,
Aonde em meio ao rebanho
Se esconde a madrasta burguesia
Seguindo a multidão adormecida
Ao som celestial da flauta.

Assim proferem
Numa maledicente cantilena
Sua condição cômoda de formiga
Próspera em bem servir
À busca dos ovos de ouro.
Enquanto os vermes, na paz do reino,
Aguardam famintos também do que se servirem.

Esta é uma História pra se atentar melhor
Cantada pelo bufo menestrel,
Metamorfose humana da cigarra
Neste faz-de-conta.
Quem foi galinha e raposa,
Gigante por um dia?

terça-feira, 19 de julho de 2011

AMIGOS inFIÉIS ===========


Que estranho vínculo de amizade une um cachorro vira-lata e um mendigo?
Em qualquer dessas associações no reino animal parece haver certa lógica quanto a obter-se alguma vantagem. Enfim, o tubarão haverá sempre de comer e a rêmora lá estará aproveitando-se disto. Também acontece assim com os cães domésticos. Mas o que pensar de semelhante dupla? Ambos a dividir igual sorte.
Contudo, é o bicho que vigia de prontidão seus sonhos rotos, debaixo da marquise, como um escudeiro fiel. Na abnegada esperança das sobras, a lamber-lhe as pústulas e feridas.
Proseavam no seu jeito de ser. Bastava um olhar dele ou tom de voz diferente e o cão assentir com rabo balançante para se entenderem. Durante as madrugadas nenhum detalhe escapa aqueles dois... Como dos machões da cidade, que depois da meia-noite procuravam os travetis nas esquinas. Troca de favores entre velhotes solitários e meninas de rua púberes.
Algumas vezes fazia magras transações ganhas em débeis discussões que eram cozidas sobre fogareiros improvisados, a qual comiam numa mesma vasilha ou partilhavam dos sacos de lixo.
Este companheirismo fraterno durou até o dia que o cachorro morrendo de fome comeu uns restos sozinho. Uma distração sua e viu o animal engolir rápidos bocados.
A partir de então, permaneceu em constante vigília... À espreita do cão, profundamente magoado com tamanha infidelidade, ele  aguardou o momento certo de pegá-lo para assá-lo numa pequena fogueira.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

ARGUMENTO ===============


             
          Nosso romance não foi um best-seller
          Onde encontra-se a ilusão aceita,
          Combinada conforme o script.
          Dirão ter tido também
          O fim mais óbvio.
          Claro, o coração de improviso
          Segue seu próprio enredo.

                

ATÉ QUE A MORTE OS SEPARASSE =====

Aconteceu da mocréia do Beltrano encontrar um sabonete de motel no bolso do paletó do desavisado. Posto lá por brincadeira de um amigo... Pra quê! Logo ela, para quem ciúme era prova de amor.
O barraco desabou um pouco a cada dia. Utensílios domésticos serviam como respostas enfurecidas as suas inconsistentes justificativas... Ele até já sabia do seu gênio passional. Ao se conhecerem ela depenava galinhas numa avícola. E metaforicamente dizendo, naquele galinheiro mandaria ele!
Ficou tomada de desconfiança tão doentia para consigo, que espetava por ciúmes agulhas e alfinetes no corpo da modelo do calendário. Até torná-lo uma folha disforme no cesto de lixo. Como o ano tem doze meses...
Em tudo via tramóias, fazia ligações espúrias entre fatos acontecidos. Como da vez num jantar quando a mulher do amigo confundiu seu nome por outro... Ou seria outra?
- Tô começando a entender... Teve aquela vez, a "zinha" do teu cupincha trocou meu nome. Me chamou de Salete, mas meu nome é Suzete... E falou convicta! Certamente alguém, que você apresentou chamada Salete, a mesma vadia do sabonete.
Ao que ele respondeu já sem paciência nenhuma:
- Se fosse sabão era pra lavar a tua língua, mas é sim o sabonetezinho com o qual lavei o corpo da minha amante. Trouxe pra não esquecer do perfume dela... - Dava-lhe ele certezas através de uma mentira impensada a debochar do perigo.
Engalfinharam-se numa luta corporal terrível, ensandecida lançou o marido pela sacada do prédio.
Assim foi até que a morte os separasse.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

V(I)ADO!... =============


                               A áspera língua do macho
                               que te insulta ser camaleão,
                               reconhecido malogradamente
                               efebo enrustido.
                               Sexo inverso,
                               subjuntivo eufemismo
                               a viver na sodoma deste imoral
                               gerúndio bíblico.