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sexta-feira, 29 de julho de 2011

ADULTÉRIO ===============



Tínhamos algo em comum,
Complementos
da incomplenitude.
A mesma cama,
Idênticos reclamos,
Exatamente idem...
Conivente cumplicidade.
Igualitária partilha,
Igual necessidade.
A mesmíssima muher,
Igualmente traídos.


PARA QUE OS VELHOS NÃO ESTRAGUEM =====

Quando em vez a filha colocava-o na frente do portão da casa para tomar banho de sol. Mantinha o olhar no além, ao passo que escorria um filete baboso pelo canto da boca entreaberta, como a aguardar somente a hora de botar terno e um cravo na lapela. De fato havia naquela sua palidez, na imobilidade resoluta e neste rígido silêncio algo da expressão cadavérica, enquanto tostava a pele lívida embrulhada nos ossos, feito uma roupa frouxa, com aspecto de cera enrugada.
- Vamos ter paciência com o coitado, a gente não sabe até quando ele vai durar. - Apiedava-se uma neta já conformada com a demora dele partir.
Perdera-se em tristezas a felicidade... Vinha a mosca e ele, impertubável! As crianças em algazarra acertavam-lhe a bola sem queixa alguma de sua parte. Encostava um cachorro a mijar atrevidamente aos pés da cadeira, ele alheio no seu torpor como que a sonhar eternamente.
Nesta sua posição nem tudo era incômodo. Uma vez esquivou-se da morte quando houve um tiroteio e se livrou de ser o destino de uma bala perdida. Alguém teve a sensatez de perceber.



- Graças a Deus, não se moveu do lugar!
Ao primeiro sinal de chuva a filha acorria com medo que ele se estragasse.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

PARÁBOLA ================

Em quais tempos haveríamos de falar?
De ser o protagonista moral na apologia:
Sapo que rivaliza o boi, de boca fechada
Não engole mosquito.
Por menos engasga-se, é o que tenho visto!

Vamos por o rei a nu
Realizar a fábula,
Lançá-lo ao boralho da mendicância
E a sujeira das ruas.
Onde trafegam sapatos apertados,
Aonde em meio ao rebanho
Se esconde a madrasta burguesia
Seguindo a multidão adormecida
Ao som celestial da flauta.

Assim proferem
Numa maledicente cantilena
Sua condição cômoda de formiga
Próspera em bem servir
À busca dos ovos de ouro.
Enquanto os vermes, na paz do reino,
Aguardam famintos também do que se servirem.

Esta é uma História pra se atentar melhor
Cantada pelo bufo menestrel,
Metamorfose humana da cigarra
Neste faz-de-conta.
Quem foi galinha e raposa,
Gigante por um dia?

terça-feira, 19 de julho de 2011

AMIGOS inFIÉIS ===========


Que estranho vínculo de amizade une um cachorro vira-lata e um mendigo?
Em qualquer dessas associações no reino animal parece haver certa lógica quanto a obter-se alguma vantagem. Enfim, o tubarão haverá sempre de comer e a rêmora lá estará aproveitando-se disto. Também acontece assim com os cães domésticos. Mas o que pensar de semelhante dupla? Ambos a dividir igual sorte.
Contudo, é o bicho que vigia de prontidão seus sonhos rotos, debaixo da marquise, como um escudeiro fiel. Na abnegada esperança das sobras, a lamber-lhe as pústulas e feridas.
Proseavam no seu jeito de ser. Bastava um olhar dele ou tom de voz diferente e o cão assentir com rabo balançante para se entenderem. Durante as madrugadas nenhum detalhe escapa aqueles dois... Como dos machões da cidade, que depois da meia-noite procuravam os travetis nas esquinas. Troca de favores entre velhotes solitários e meninas de rua púberes.
Algumas vezes fazia magras transações ganhas em débeis discussões que eram cozidas sobre fogareiros improvisados, a qual comiam numa mesma vasilha ou partilhavam dos sacos de lixo.
Este companheirismo fraterno durou até o dia que o cachorro morrendo de fome comeu uns restos sozinho. Uma distração sua e viu o animal engolir rápidos bocados.
A partir de então, permaneceu em constante vigília... À espreita do cão, profundamente magoado com tamanha infidelidade, ele  aguardou o momento certo de pegá-lo para assá-lo numa pequena fogueira.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

ARGUMENTO ===============


             
          Nosso romance não foi um best-seller
          Onde encontra-se a ilusão aceita,
          Combinada conforme o script.
          Dirão ter tido também
          O fim mais óbvio.
          Claro, o coração de improviso
          Segue seu próprio enredo.

                

ATÉ QUE A MORTE OS SEPARASSE =====

Aconteceu da mocréia do Beltrano encontrar um sabonete de motel no bolso do paletó do desavisado. Posto lá por brincadeira de um amigo... Pra quê! Logo ela, para quem ciúme era prova de amor.
O barraco desabou um pouco a cada dia. Utensílios domésticos serviam como respostas enfurecidas as suas inconsistentes justificativas... Ele até já sabia do seu gênio passional. Ao se conhecerem ela depenava galinhas numa avícola. E metaforicamente dizendo, naquele galinheiro mandaria ele!
Ficou tomada de desconfiança tão doentia para consigo, que espetava por ciúmes agulhas e alfinetes no corpo da modelo do calendário. Até torná-lo uma folha disforme no cesto de lixo. Como o ano tem doze meses...
Em tudo via tramóias, fazia ligações espúrias entre fatos acontecidos. Como da vez num jantar quando a mulher do amigo confundiu seu nome por outro... Ou seria outra?
- Tô começando a entender... Teve aquela vez, a "zinha" do teu cupincha trocou meu nome. Me chamou de Salete, mas meu nome é Suzete... E falou convicta! Certamente alguém, que você apresentou chamada Salete, a mesma vadia do sabonete.
Ao que ele respondeu já sem paciência nenhuma:
- Se fosse sabão era pra lavar a tua língua, mas é sim o sabonetezinho com o qual lavei o corpo da minha amante. Trouxe pra não esquecer do perfume dela... - Dava-lhe ele certezas através de uma mentira impensada a debochar do perigo.
Engalfinharam-se numa luta corporal terrível, ensandecida lançou o marido pela sacada do prédio.
Assim foi até que a morte os separasse.