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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

MUSMÊ ===================

                                           
                                            Pois que a saudade dói...
                                            As dores quando saradas
                                            Com o analagésico
                                            Do esquecimento
                                            Permanecem letárgicas,
                                            Sussurrantes
                                            Num contínuo hiato.

GRETA JEAN ===============

Nascido de batismo Antonio Maria Durão, porém numa dessas ambiguidades da "natureza humana" descobriu-se Greta Jean... Seu padrasto maldizia, puta que o pariu era o cúmulo um filho-viado emprestado! Parentes que o viram ainda homenzinho, escandalizados. A mãe resignada vinha em defesa, pois sempre quis uma filha.
Greta decidiu sair de casa e viver essa sua identidade feminina. Resoluta foi morar num "quintal de cômodos". Aprendeu a ganhar o sustento nas esquinas correndo riscos, quando o pudor impedia as moças de família do lugar ou alguma forasteira desabusada, de virar prostituta... Puta conhecida e apontada! Complementava o aluguel fazendo unhas mais penteados das amigas, vendia lingeries...
...Desde o princípio percebera as coisas de viés. Esse notório estranhamento. Na escola chacota dos garotos por seu jeito frágil. Tempos depois, os policiais que iam lá ensinar bons costumes ao chutar-lhe o traseiro sensual. A sociedade que cuspia e atirava pedras a condenar pela sina escolhida. Repetidas noites que passavam de carro pela avenida e gritavam piadas
- Eu sou é muito macho, pra estar aqui!! - Subia nas tamancas cansada de ser enlameada. Greta Jean trazia no corpo as marcas do martírio: silicone, hormônios, depilação a laser, mega-hair... A própria borboleta do asfalto. Beleza incomum de formas feminis, pele dum caramelo aveludado, seios mamilosos, coxas bem torneadas, a bunda tesa atraente. Irresistível para alguns anônimos do sexo masculino.
O traveco sonhava com Milão, shows nas boates paulistanas, dias de glória no carnaval. Era de Virgem e queria encontrar um "bofe" de Capricórnio. Assim distraía as horas, entre cigarros e drops, naquele penoso aguardo da clientela...
Já pelas tantas da madruga apareceu Tião. Montado no seu bruto, castigando firme no freio a ar do possante "cavalo", calotas faiscantes na sarjeta... Uma cavalgadura de pessoa. Cavalheirescamente escancarou a porta do caminhão. Dentro da cabine tocava um dos sucessos da dupla sertaneja 'João Mineiro & Marciano', todo o painel luminescente, os ponteiros tesos estremecidos dos aranques do motor.
- Como é...? Tô cum apetite daqueles, Belezura! - Sorriso sádico no canto da boca, olhar faminto. Tião escorregou pelo banco de couro para o estribo do veículo. Só de calça jeans caída até a virilha, o torso másculo desnudo.
Greta estremeceu dos tamancos à peruca. O lumbago latente despertou em pontadas.
- Virgem nossa!? Donde saiu isso?
- Hoje quero variar. Fazer um troço diferente... Sexo animal, manja? - O caminhoneiro errante avançava o sinal empurrando a pobre boléia adentro, as fuças debaixo da mini-saia a morder-lhe as nádegas aflitas.
- Ai, meu Deus! Por que não nasci mulher? Todo mundo quer me ver pelas costas.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

INVERSO =================


contudo, só Deus está do meu lado.
Há muita gente por metro quadrado
a unívoca resposta:
Toma deste paradoxo
Homem, reticências!!
dúvida que se pergunta.
na sintaxe cósmica,
Este parêntese oculto
vulto axioma do parágrafo.
obedecer ponto e vírgula -
veste roupas, um linguajar adequado;
Imagem sem semelhança
paroxismo civilizado avesso.
(então dois [ínfimos] pontos),
no qual caminha a simiesca solitude
em descrente parábola
Um ponto advento
pela poeira do universo espalhada...
da divindade Acaso
pérola desprendida do colar
'Assim me parece a epopéia do planeta,

MISSÃO CUMPRIDA =========

Era na corporação seu refúgio. Fama de linha-dura, ali exercia dissimulado autoritarismo perante subalternos e civis. Do mísero soldo tirava o sustento e ganhava pretensos ares de importância para a sociedade. Distinções por serviços prestados tinha muitas na parede, lustradas semanalmente com orgulho pela mulher. Todas por ser um bem treinado "cão de guarda" do Estado.
Acima de qualquer suspeita resolveu exterminar os fracos, tanto quanto ele. Os únicos contra quem podia prevalecer-se e cuja vítima seria ele próprio, segundo atestavam os laudos do psicólogo.
Na calada da noite ele e o esquadrão põem seus disfarces para sair à caça dos marginais. Vingança justificada na sua impotência...
- Mas será o Diabo, que não pára de nascer bandido?... - Perdera as contas. A maioria das vezes o sujeito tremia de medo, então metia um pontapé.
- Só pra quebrar o gelo... - Conforme ele mesmo dizia. - Porque a chapa vai esquentar!
- Ai, ai... Senhor! Faz isso comigo não...!
- Vem cá!... Que papai vai lhe dar uma lição.
- Pelo amor de Deus, Senhor...
- E o malaco acha que Deus está do lado de um verme feito você? - De nada adiantavam remorsos tardios. Seu veredicto não tinha apelação.
- Atirou pra me matar, não foi? E só não matou porque errou. Logo, tenho o direito de fazer o mesmo... Mas não vou errar. - Missão dada era missão cumprida. 


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

PRORROGAÇÃO =============

Se for tarde demais,
antes que a pressa
faça-te esquecer de mim
e leve teus passos dos meus
a me destinar uma estúpida topada,
deixa impressa a silhueta neste quarto
do teu corpo que haja partido
pra quando minha mão procurar inútil
um seio na blusa escondido.

Se não for tarde
e o monólogo mutilar o drama
me diz um punhado de nomes feios,
adjetivos do nosso convívio
pra que eu sinta
que eles não vêm de você
mas estão em mim...
Senão, fica
e irás mais tarde.

RACIO[CI]NAMENTO ========

A família ficou revoltada com Seo Severo. Antes mesmo dos apagões ele decretara o corte temporário da energia elétrica. Na verdade sempre foi um obsessivo em fazer economias, do tipo que não usa caneta pra não gastar papel. Alguns serviços da casa também passavam pelo racionamento...
- Pô, pai! Banho gelado nessa friaca...? Que papo brabo!! - O filho rebelou-se.
- Fique sabendo que os russos por tradição se atiram no rio congelando... E fazem festa!
O blecaute definitivo tinha horário determinado. Queria dar o exemplo. Depois da meia-noite quem quiser que tropeçasse na escada, ou enfiasse as fuças nos batentes das portas.
- Como vou ao banheiro de madrugada, mãe? - Choramingava a caçula.
- Os cegos fazem isso sem olhos. Por que você que enxerga haveria de se atrapalhar? Mora quinze anos numa casa e sequer consegue andar pelos corredores.
- No escuro?...
- Desde quando o caminho do banheiro é a direção da geladeira? Você devia fazer um regime, carreira de modelo dá muito dinheiro.
- Mãe!...
Com ele, "dura lex sed lex"! Ninguém entendia, mas sabia que era dureza... Velas nem por hipótese. Receava perder o único patrimônio que possuía num incêndio. A lanterna somente seria usada em caso de emergência.
- Pensa bem, nega... Nosso chamego no escuro é mais gostoso! - Insistia na tentativa de aliciar a esposa para o seu lado.
- Ora, tu mal acerta o caminho com a luz do abajur... Falta energia. Quem dirá no breu!
- Vocês são uns egoístas! Custa o sacrifício?... A pátria não merece os filhos que tem.
- Qual é, véio!? Dá pra deixar uma lamparina acesa no fim do túnel? - Era o filho saído do banho, tiritando de frio.