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terça-feira, 26 de abril de 2011

FUTURO DO PRETÉRITO IMPERFEITO =====





Expressos num passado,
Comigo agora
Os desejos do querer
Que pichei nos muros,
Escrevia em cadernos.
Que esperava conseguir
Com aquela certeza inocente,
Capaz de se realizar.
Porém, a vontade
É pelo cotidiano esquecimento
A seu tempo
Um bagaço consumido. 

ARGUTA EXPERIÊNCIA =======

Miséria de aposentadoria! Porcamente cobria as despesas do mês. Roía-se de inveja das Donas grã-finas que enchiam carrinhos no supermercado. Enquanto ela, com aquela cestinha micha pelos corredores à procura do mais barato.
Entretidas nas compras as madames largavam as bolsas dando sopa. Aquilo era juntar a fome com a vontade de comer. Algo buliçava dentro dela. Olhou rancorosa a cesta, presumindo o  que encontraria na bolsa. Montada nos cobres a outra nem faria questão... Mas era uma coisa! Havia sempre um abelhudo. Desta vez, as câmeras de segurança escondidas.
- Que nada, moço! Eu ia levando pra ela. É muito perigoso deixar uma bolsa assim. - E lá vinham os policiais conduzindo a idosa, sob olhar estarrecido dos clientes.
Na delegacia mais explicações. Choramingos que sequer dissuadiam a autoridade de plantão.
- Depois encaminha a vovó ao psicólogo. É problema de cabeça... A senhora sofre de cleptomania.
- Mania... De... Crepito... Qual o quê, fio! Queria uns trocados pra comprar umas coisinhas. Vida aborrecida essa minha... Conto os centavos.
- Pois, é crime. Lavra aí o auto, Afanásio! - Ditou o Delegado cônscio do dever cumprido à medida que o escrivão digitava com pompa no novo computador. Incrédulo um repórter que acompanhava o caso logo resolveu pagar a fiança. Ela se mandou pela porta dos fundos, crente que ainda existia gente de bom coração nesta terra.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

MAÍRA ===================

                      Meu bem...

                                               Minha Maíra,

                       Eu queria te mandar flores
                       Muitas!
                       Penduricalhos
                       Colares,
                       Mas vieram uns tais Homens...
                       Julguei serem poucos,
                       No entanto pensavam como muitos
                       Sobre o meu gesto tolo.

                               E derrubaram o VERDE,
                               Poluíram nosso AZUL
                               Extraíram todo o AMARELO
                               Da bandeira.


GÓLGOTA DE PAIXÕES ======


Não o que nos entra pela boca, sobretudo aquilo saído dos nossos corações que é impuro. Pois o pecado não está fora de nós, todavia o que vai por dentro viceja o mal nos ofendidos corpos daqueles que assim querem se martirizar. Senão for na carne onde estaria a realização do espírito sem seu templo sagrado? Como crucificar a carne e suas paixões mundanas sem padecer os dissabores o espírito? Sendo esta a verdadeira dívida de um para com o outro...
Um tamanho embaraço no qual Reverendo Amaro via sua frágil alma sucumbir. Não pensar, nunca tocar, nem provar, eram as severidades aprendidas. Esconjuros que nada impedem os propósitos da carne. Faltava-lhe domínio próprio ardia em desejos...
Celeste encarnava toda essa angústia presente. Cabelos trançados envoltos na nuca, o terço sobre o regaço palpitante dos seios. Gólgota de luxúria em que temia ferir suas mãos. Deus talvez sentira êxtase igual ao moldar a sinuosa silhueta das formas de Eva.
Fiel ao culto lá estava ela, relíquia viva na nave. Lábios carnudos murmurando preces por sua danação. A língua esguia à espera da hóstia, ávida pelo corpo ázimo de Cristo. Há muito olhares furtivos durante a missa, guloseimas constantes e mimos entregues na sacristia consistiam numa declaração velada. Ao buscar proteção no esplendor da Virgem era como se a visse no altar da santa, desnuda sob o manto.
Chegou o momento da confissão... Palavra alguma. Os suspiros dela através do postigo no confessionário foi a resposta ouvida. Enlaçou-a com a estola rendendo-se aquele corpo bronzeado, vestido do sol púrpuro. Cuja boca era uma taça que despejava beijos de fogo.
Como também o verbo fez-se matéria, não haveríamos nós de vivenciar as agruras do espírito? Porventura, somos o cordeiro imolado sem defeito ou nódoas...?

terça-feira, 12 de abril de 2011

ROMANCE CAIÇARA =========


                                A lua espatifou-se em vidrilhos
                                nas águas do mar,
                                enquanto o sol incendiou-se
                                no horizonte da nova manhã.
                                De um lado a noite se despede,
                                noutro o dia se anuncia
                                com gravidade...

                                Colocastes tuas juras de amor
                                à beira da praia
                                e as ondas do oceano profundo
                                apagaram-nas para sempre.

FILHOS DE PIXOTE =========

Aninharam-se quietos nos braços da Pietá na praça. A cidade aos seus pés descalços. Um lábaro céu estrelado por teto, a rua como lar. Inebriados com os ares da cola de sapateiro.
- Châqui... O que tu vai sê quanu crescê?
- Qualé, Ramela! Já tô crescido.
- Cresceu, sim... Eu vi aquele dia.
- Quali? - Quis saber.
- Que a gente mergulhô no chafariz... Ele tem cabelo na viria. - Foi dizendo maliciosamente Nanã. A voz abafada pela respiração enquanto revolvia os olhos, metade do rosto imerso no saquinho de plástico.
- Num enche, garota! É conversa de menino.
- Aposto que a Suzete, lá da zona ensino isso prela...
Nas imediações a selva urbana vociferava sirenes. Pessoas encalacradas nos congestionamentos. As sombras tingidas de néon.
- Quero tê bastante dinheiro...
- Pra comprá, Châqui, um montão de bala e chicréti?
- Que barriga de lumbriga tu é hein, Nanã!
- Se liga, moleque... Só na istiga. Bute de marca, os pano da hora, carripa, um trabuco de responsa...
- Pra isso tem que sê patrão, falô.
- É nóis!
- Se eu querê o Egídio do táxi me dá o que eu quisé. - Espevitou-se Nanã com seus trejeitos de infantil luxúria.
- Gulosa...! Gulosa! Pepeta pra Nanã!!
- Você é um fudido tá, Ramela! - Contestava ela cuspindo obsecadamente.
- Berinha me deu uns toques... Fazê umas tretas na bocada. Pia até um bagulho pra mim.
- Pô, tô nessa aí... Bronca mole.
- Tu ainda se mija quando dorme... Vai fazê função? Os gambé vindo pra cima tu se borra.
- É... Unh... Sô homi, Châqui. Tô sabenu que tu empanô o crocréti no abrigo. Vô sê mais bandido que tu.
- Pera aí, linguão! - Ramela tenta fugir porém com o sopapo de Châqui despenca dos ombros da estátua, escadaria abaixo.
- Ai, ai, ai... Bateu ni mim pusquê num sô do teu tamanu.
- Devia fazê coisa pió.
- Tu não é meu pai!
- Se fosse apagava bituca de cigarro nessa lomba.
- É... Unh... Fica me tiranu.
- Aê... Esse lero me deu larica. - Saltou do colo da madona inerte, donde feria-lhe as vistas utilizando seu estilete. - Duro aqui só essa dona aí. Vamô enquadrar alguém... - E saíram em arruaça.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

JORNADA =================

A morte me persegue
Ainda que me sinta esquecido,
Mesmo indo ao seu encontro
Eu fujo...
Deste céu promissor
Sem invejar Dédalo.
E dos abismos do inferno em mim
Que escalo montado
No meu corpo ágil de elfo.

Inebriado nos liames da fantasia
Vislumbro a fábula perpetrada
Nos jadins kitsches das praças
Em que convivem figuras humanas,
Estátuas paralíticas,
Todos na intenção fingida de um gesto.

Viajo sem mapas nesses labirintos,
Vagueio nesta planície abissal urbana
Mas, minha rota não me leva muito longe
Para o que estava tão próximo...

Tráfego intenso na avenida principal:
Ciclópicos semáforos, setas cúspides,
Becos sem saída... Nada sentir tem sentido
Neste passeio no parque
E o inevitável Nº 360 daquela rua.

SÓ QUERO UM XODÓ ========

Quanta afeição ele tinha pela égua Xodó. Foi ela quem o iniciou nos prazeres sexuais. As namoradas na hora agá desfaziam dele, ofendendo-se ao ver aquilo avantajado que a natureza o privilegiara.
- Cabra, valei-me! Tu é um jerico de marca maior. Nem se achegue!! - Quanto mais conhecia as mulheres, mais amava Xodó. Dócil como nenhuma dama conseguira e sabia guardar segredos. Melhor, e olhe lá, só a mula ensinada de Gonzagão. Mesmo assim, não vendia, não trocava e nem dava.
Qual não foi sua preocupação quando descobriu que a égua lhe daria um potro...
"Eita, meu São Francisco!... Será que Xodó tá prenha duma cria minha?" - Matutava casmurro conduzindo a charrete. - "Hoje em dia, é tanta novidade por causa dessa tal genética. Involução dos bichos... É capaz, metade menino e a outra... Fiduaégua!" - Benzeu-se pedindo ao santo valença. Espairecia numa cantoria que aprendera na feira:
"Pegava as orelhas dela
 Beijava e balançava;
 Dava água, dava banho
 Também não lhe maltratava.

 A jumenta abria a boca
 E ele a dele também
 Como um casal que vivia
 Assim se querendo bem..."

Também não descartou a hipótese dela haver lhe traído, espiando com desconfiança os pangarés e moleques no capinzal. Coçava a calva amofinado, talvez estivesse vendo chifres em cabeça de cavalo, ela não se engraçava com qualquer sujeito.
Sucedeu então, o dia do parto. O dono notou que a égua gerara um animal robusto. Xodó agonizava impaciente, a cria dava trabalho. Aturdido veio-lhe a visagem da besta-fera choutando pelo pasto. Inté mesmo os relinchos de um alãozinho bastardo.
Seus camaradas às pressas chamaram o veterinário que prontamente diagnosticou. A posição do filhote era anormal, apesar das tentativas em ajeitá-lo e sugerindo o sacrifício. Ele consentiu resignado e debruçou-se junto à égua confessando:
- Que deus perdoe o teu e os meus pecados, bichinha!