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domingo, 27 de outubro de 2013

NESSES RABISCOS... ======


                                   Por toda parte
                                   Me declaro
                                   Até que chegue
                                   Aos teus ouvidos,
                                   Aquilo que pretendo
                                   Te dar sem igual.

                                   Perto de ti emudeço
                                   Porque tudo é muito e nada
                                   Para exprimir-me.
                                   Palavras apenas
                                   Não haverão de convencer-te
                                   A render-se à absurda evidência.


ENTRELINHAS =============


- ...Alô!
- E aí?...
- Reconheceu minha voz?
- Pelo identificador de chamadas.
- Estranhei o seu silêncio comigo.
- ...Fui intimado para depôr.
- Você contou a verdade?
- Claro que contei.
- Eu sabia...
- A verdade logo ia vir à tona.
- Disse que eu não estava lá...
- Não, que nós  naquele dia estávamos.
- Você ao menos...
- Como podia mentir por você?
- Por que não me perguntou antes?
- E atrair toda desconfiança sobre mim...
- Bem, isso só prova que eu estive lá.
- Se tivesse me dado ouvidos!...
- Sossega... Não vão encontrar coisa alguma.
- Escuta, negar era pior.
- Bastava não lhes dar certeza de nada.
- Podíamos ter avaliado melhor as consequências...
- Alguém tinha de sujar as mãos.
- Foi um erro...
- Do qual você também se beneficiou.
- Já me arrependi... E você precisa aceitar isso.
- Estamos juntos nessa...
- ...!

domingo, 22 de setembro de 2013

ETERNO RETORNO ==========

               
               Isso que alguns chamam
               Este voltar
               Para os braços de um deus...
               Posterizar-se. -
               Passamos muitas vidas
               Repetindo erros
               E com eles, algum acerto.
               O Homem é seu sofrer,
               Constrói um Mundo...
               A delícia que busca! -
               É retornar
               Para a gota da chuva,
               O húmus da Terra,
               Um outro ser.
               Todo existir.

DAS PROFUNDEZAS DA ALMA =====

Os operários encaravam mais um turno de trabalho. A Ordem de Serviço indica que o reparo de solda no duto continuaria, num espaço confinado. Uns doze metros de profundidade. Estavam escalados para a tarefa, Abílio e Fidélis.
Um ficaria no Rádio HT. Monitorando gases, exaustão do ambiente. Enquanto outro desceria ao sombrio e claustrofóbico compartimento...
Abílio tinha toda consideração do Encarregado. Queria prosperar nos quadros da fábrica. Viver junto de Susana. Porém, ela em conflito com seu coração... O ciúme tem uma flecha preta.
Conhecera o colega no trabalho. Fidélis, excelente profissional. Muito competitivo querendo tirar de qualquer situação, um prêmio. Foi fácil fazerem amizade, até torciam pelo mesmo time. Durante certo período frequentou a casa. Ia nos domingos de folga visitá-los, preparavam pratos elaborados e assistiam o futebol. Solícito prestava pequenos favores ao casal...
Entrava-se interior adentro dos intestinos metálicos da fábrica por uma abertura diminuta num cilindro horizontal e descia-se noutro tubo ligado a um compartimento bifurcado por duas enormes válvulas. Parte do percurso havia uma escada estreita tipo "marinheiro", o restante numa corda de mecanismo trava-queda e içamento.
Por mais de 1 hora, feixes radiantes relampearam em clarões ultra-violetas alumiando os túneis.
- QAP, Fidélis... Tá me ouvindo?
Antecipa-se o ruído estático do rádio comunicador.
- Prossiga. Qual é o QRU... O que manda?
- Tudo normal aí embaixo?
- Nada diferente... Foi esse o QTR, combinado pro lanche?
- Precisei interromper seu QRL. Tenho de conferir, Ok!
- Em QRV, parceiro... Disponha!
- Sabe que sou responsável por tua vida,QSN? Fui claro?
- QSL, Abílio...  Tou ciente disso.
- E você anda sumido, né.
- Seguinte, como tá o QSA do meu rádio?... Recebe bem! Me parece QSD... Defeituosa, câmbio.
- Me contaram que você tá de namorada nova.
- ...Não copiei o QSM... Repete o câmbio.
- Pode falar, o QRG é nosso. Só tamos nós nessa faixa.
- Tá havendo algum QSB... O meu, ou o seu rádio... Tá falhando.
- Vai esconder segredo do amigo... QSN?
Fidélis levou algum tempo para pressionar o botão de câmbio.
- ...Não é nada sério.
- Se eu bem te conheço.
- Preciso acabar logo... Ou não saio... Deste buraco hoje.
- Tô em QRX na frequência, Stand  by. Se precisar, é só chamar. Ok!
- TKS... Valeu!
Fantasmas de sombras dançavam à vista do agora soturno Abílio, seguido do retinir metálico do martelo através da tubulação.
- QAP, Abílio... Na escuta?
- Positivo, QAP.
- Algum problema... Aí em cima?
- Queimou um fusível da máquina... Coisa rápida.
- Parou de funcionar... A exaustão! Acumulou gases aqui... Cof, Cof, Cof!!!
- Quer que chame a Susana pra te salvar?
- Que QRI é esse!?... Não tou gostando do tom da conversa... E pouco trabalho.
- Ué! Não gosta dum papo ao pé do ouvido?
- Conserta logo... A porra do equipamento!... Vou subir!
- Como?... Eu destravei o cabo.
- Deixa disso, merda... - Fidélis engasga. - ...Eu tou ficando zonzo, cara!
Sem que nota-se, Abílio desceu uma mangueira e instantes atrás liberará gás acetileno.
- Se fosse você, não tocaria por nada o eletrodo no metal...
- Eu não resisti, cara... Foi mal!...
- ...Uma fagulha e vai ser uma morte pior ainda.
- Vou mudar de QSY... Seu cão dos infernos!... Argh!!... E te denunciar pra Chefia... No outro canal...
Antes de responder, ouve mesmo a respiração forçada do colega.
- Você acha que tem alcance? Te dei um rádio com bateria fraca.
Algo parece cair lá debaixo ainda transmitido via rádio. O barulho intenso do maquinário abafa seus últimos pedidos de socorro. Acionada a enfermaria, informam estar em QTY, dirigindo-se ao local do acidente. Somente agora religou o exaustor. A fábrica segue seu ritmo.

sábado, 24 de agosto de 2013

MENSURA =================






Amei,
Fui amado
Até me tornar
Odiado.
Das carícias
À hostilidade
Com a mesma
Intensidade.

O BASTARDO ==============

Foi após saber da morte de meu pai, é que me deparei com a carência que as outras pessoas sentem de consolo... Um tio preparando em tom solene informa, como a engolir uma palavra trêmula deixa escapar a notícia fatídica.
Tudo que fiz foi vasculhar vertiginosamente no meu íntimo por instantes, à procura de uma lembrança afetuosa dele dentro de mim. Pouco nos víamos, eu morando anos na Capital.
Esse parente ensaiou um abraço... Titubeou. Como a desejar chorar comigo a desgraça maior da perda. Via nisto uma maneira de aliviar meu pesar. Não existir me é estranho e temível, mas chorar está aquém de minhas necessidades. Mesmo espremido. Atado aqueles braços impotentes... Eu deveria dizer, "obrigado", por meu pai ter morrido? Calei-me num silêncio tumular. Então, se pôs a falar. Insistiu que fosse ao enterro salvaguardar meus interesses. Porém, aturdido quase não o ouvia.
Um domingo de Verão. Mormacento. Todas as coisas na atmosfera pareciam se dissolver... Meu último dia de folga. Sequer garantia uma desculpa no escritório. Quem sabe alegasse na Segunda-feira uma profunda depressão... O ônibus vai engolido pelos túneis da Serra do Mar.
Ele somente reconhecera a paternidade acossado pela Justiça. Quando quis me conhecer disse: "Você não deve ser dos meus. Parece fracote..." - O velho reprodutor oportunista. Assediador de "domésticas" em busca de um lar. Eu caí... E eu mesmo, me levantei.
Cheguei às pressas... No Litoral a umidade combinada às altas temperaturas castiga a carne humana. Toda a medicação inútil fermentava dentro dele. Podia sentir escorrer da minha nuca o suor. Velaram depressa porque naquele dia fazia calor. E o velho apodrecia.
A cabeceira do morto a distinta família. Dois meio-irmãos e a matrona viúva, uns agregados... Um limbo solene. De ambiente denso perturbava o olhar e as idéias.
A morte revestia o verniz dos seus erros. Um desses equívocos humano se movia sobre a terra... Já me olhavam como um inconveniente herdeiro, com direitos à mísera fortuna. Bastava saber que era um intruso. E talvez, estivesse lá só por isso. Para espoliar os restos mortais do velhote.
O corpo desce ao túmulo. Mais uma cova rasgada incerta na terra úmida, do que propriamente um lugar de descanso eterno. Sua família roga a prece convertida em pranto. Pelo terror do destino ilusório.
No entanto, nada de lágrimas por trás dos meus óculos escuros. O disfarce de uma tristeza aos olhares inquisidores duma platéia perplexa da nossa fatalidade comum.
Colocamos a sua lápide sobre tudo isso.

terça-feira, 11 de junho de 2013

MIOPIA ==================





Amor à primeira vista...
Reparasse melhor
Não amava 
Quem cegamente amei.



PURA SORTE ===============

Como o povo dizia, os apartamentos ali construídos ao lado da comunidade não eram assim palacetes, muito por conta dos superfaturamentos da construtora, desvios de verbas da obra. Pois político é raça que manobra a gente!... Porém, em vista dos barracos apinhados tornaram-se a cobiça de cada família.
Largada do marido, para criar os dois filhos fez não sei quantos cadastros no serviço de ação social... Passara muitas tragédias, enchentes no bairro, os riscos de incêndios a se alastrar pela favela. Pra quem acha que o ruim pode ficar pior, os desabamentos do morro se repetiam, arrastavam móveis e vidas.
Quando ameaçava a chuva, a espera não vinha com romantismo. Nada havia de mistério nos relâmpagos, mas presságio. Não se distraía com a água despejando da calha. Não aquietava como os bichos, o vira-lata embaixo da mesa, os pardais nos "pés-de-cuca", o bichano no caibro da cumeeira... O céu desabava. As fotos da família carregadas pela enxurrada. O paradoxo de nada ter, e perder tudo! Deixava-lhe sem rumo e nenhuma cidadania.
Vinha a autoridade se condoía dela, punha numa fila de espera, depois retornava ao conforto do lar imune as intempéries da vida... Perdera a filha num desses ocorridos, ao tirarem do escombro o corpinho parecia uma boneca escangalhada coberta de lama.
...De repente como que por encanto, o homem anunciou seu número de senha ao microfone pra todo mundo ouvir. Ganhou o devido merecimento. Não lhe deserdara a sorte. Exorcizava a maldição da pobreza, a predestinação à ruína.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

NÓS =====================


                       Sofro se estamos apartados,
                       Nunca me falte tua pessoa.
                       É a ausência que me dá
                       A dimensão desta sua presença...

                          O roçar das nossas peles,
                          Conversa trêmula de desejos.
                          Seu cheiro, perfume espalhado,
                          Saboroso suor que escorre do teu torso.
                          A certificar-me duma lealdade
                          Que profere sua língua
                          E leio no teu corpo
                          Esta declaração de amor,
                          Que o beijo confessa na minha boca.

                       Usufruir como bem quero a plenitude
                       Sendo este o bem que me dá,
                       O mal que me faz.

CORREÇÃO MONETÁRIA ======


Trabalhando no banco tantos anos adquirira a confiança dos seus superiores. Se atinha rigorosamente aos procedimentos técnicos. Fazia valer as diminutas cláusulas dos contratos. Não poupavam-lhe elogios embora não subisse na carreira.
Abnegada dedicação merecia uma recompensa. Mudara de vida. Reformou a casa no bairro pobre, circulava majestoso em seu carro do ano.
Bem se sabe a inveja desponta o gosto pela maledicência, intrigas. Que sua ascenção era fruto de pequenas fraudes.
Um dia durante o expediente, o chefe deposita sobre o tampo da mesa uns papéis... Trocara num documento, R$ 170,00 por R$ 17,000 mil. Titubeou constrangido, mas não desalinhou o terno. Folgou o nó da gravata lilás perolada e fixou-se dificultosamente naquelas cifras.
- Devo ter me confundido com os números... - Justificou irônico mediante tal probabilidade, ou dezessete mil possibilidades. Perante si mesmo ninguém reconhece culpa de fato. Afinal, tinha suas plausíveis razões. Era uma fração mínima comparado ao que amealhava todos os dias os cofres da agência bancária.
Retirou então, algo da gaveta:
- Preciso usar óculos, aqui está a receita médica. - Esclareceu ele.

terça-feira, 2 de abril de 2013

RESCALDO ================

                                                         
                                                     Queima meu peito
                                                     sob as cinzas
                                                     dum amor
                                                     mal-apagado.
                                                     Cria brasa
                                                     e novamente se incendeia
                                                     no fogo da paixão.



TACIATÃ AVAETÉ ===========

No princípio eles mangavam:
- Tá enrolando a língua por quê, Índia?... Fala direito! - Querendo civilizar Capotira.
Foi num lítígio de terras brasilis sucedido. Os fazendeiros, o garimpo, as madeireiras vorazes tangeram a tribo de suas tabas. Índio não merecia terra nenhuma. O chão pisado primeiro, nem a sua Reserva, seja a emprestada pelo branco. Era sempre expulso.
Mocozou-se ali com os turis, entre as malocas trepadas na beira do rio. Cercada duma gentama branquelada filharada da mandioca, mais os filhos do carvão por acá largados.
Já nem faz artesanato, colares, chocalhos, cocares com as cores da jandaia. Vive de biscate, de vender sorvete e tapioca. Catar ferro, plástico pras indústrias de reciclagem. As duas cunhatãs desafloradas a servir no acostamento da BR as vontades de carne duns caminhoneiros.
Na palafita brincava o pyá, fruto do estupro sofrido dum Pastor. Seria este o paraíso cujo missionário lhe prometeu?... Outros tingas foram lá, estudar índio, querer ser nativo, pintar a cara. Mas índio não quer sociedade de branco.
Se das andanças matuta, repouso no giral, afastava a mosquitada a fumear cigarros Hollywood remeninando a aldeia.
- Antes não via carro que nem agora. Corria onça, tapir, jacaré, tracajá, tatu embrenhado mato dentro... Eita! Assim fucinhando carro noutro nas costas da avenida cobrejando feito sucurí. - Contava as cunhatãs sem muito da língua nativa.
Difícil de acostumar sossego. Também não se anda nu. O peró trouxe a moral e a vergonha, vestes, presentes, bons costumes, doenças venéreas... Entregue ao cauim pestilento das biroscas, a caninha Pitú toma conta, queima barraco, descamba sururu e morte, pois findou seu companheiro espetado numa "peixeira".
Sumiram os pipilos, piados, cuquiadas, roncos, esturros da bicharada. Bem além das taperas urbanas gritavam buzinas, guinchos de engrenagens, o ruidejar das máquinas. Nalgum lugar atacava Piaimã, gigante comedor de gente nos seus domínios, sem ligança pro deus caraíba pregado na tábua.
Restou-lhe da floresta, a selva de pedra. Ficava jururu que nem sapo cururu em lagoa seca. Se nem podia mais passar o dia na rede mastigando beiju. Era um tal caçar em vitrines, prateleiras, balcões... Quem dera apanhar a gostosura dos cajás, cajamangas, jaboticabas, genipapos, sapotis, pupunhas, um naco de gosto bom da vida.
Quando o sol escurenta, Tainaçã vagalumeia arriba do horizonte de prédios vinha um desgostar, o desejo amargoso de subir pro céu num cipó.
- Brasileiros somos nós. Esses aí, gente que veio de Portugal. - Queixava-se as cunhatãs bronqueada mode a brabeza caraíba.
    

sexta-feira, 1 de março de 2013

EXÉQUIAS =================






Amei-te,
Morres em mim.
Dum passamento
Qual não consigo
Lamentar.

Seja então,
Neste peito
Tua cova
De profundis.





DEU BURRO NA CABEÇA =====



Assim que chegou foi conferindo os números do Jogo do Bicho, calcados em giz na tábua de resultados afixada numa parede lateral do boteco. Naquela esperança de que a sorte desse jeito ao seu destino, incrédulo daquela maré de azar.
Procurava a combinação perfeita da Milhar na cabeça:
1º -  4411  [Cavalo]
2º -  8157  [Jacaré]
3º -  2496  [Veado]
... - Pelo sorteio da Federal.
Vivia tentando acertar na vida, pagar as dívidas, satisfazer ao menos uns desejos... Sem resultado.
- Jogo ingrato!... - Ruminou olhando o volante manuscrito. Só dava a banca. Jogara: 0235... - Deus não dá asa à cobra, mesmo!
Outras loterias e promoções acenavam com a felicidade instantânea. Tirar a sorte grande em um cupom especialmente premiado ou a tão sonhada  casa própria numa embalagem de extrato de tomate... Era preciso perseguir a sorte. Dera-se bem algumas vezes, pois o mundo é um perde e ganha desde Adão e Eva.
Criava toda uma matemática de coincidências cotidianas e somas favoráveis dos eventos. Vislumbre de números cabalísticos ocultando a chave do tesouro. Sonhos premonitórios com todo o Zoológico do Barão de Drummond em polvorosa... Sua vózinha era sensitiva, passou o dom para Ele. Certas pessoas querem enriquecer e realizar seus sonhos. Enquanto outras iguais a Ele, usavam os sonhos para ficar rico. Mas, dinheiro de jogo parecia amaldiçoado... Vendaval nas mãos. Não comprara nada de seu, nenhum chinelo.
- Porra, Bicheiro!? Tu é um pé-frio fudido... Tinha que dar teu parente Burro?
- Deu Cavalo, seco no grupo... Seo jumento! - Retrucou lá de canto, assistindo ao futebol.
- Um burro metido a besta, trabalha pros outros da mesma forma.
- Não sabe cercar o jogo, mané!... Você que é burro de nascença: 03 de Setembro, às 10 horas da manhã!! As outras dezenas não são coincidência, não... É registro em cartório!
- Devo ter uma cabeça de burro enterrada no quintal de casa, isso sim...
- Bicho que você vê no espelho, e não joga... Burro não ganha mesmo! - Despejou pela goela a cerveja.
Os números não lhe saíam da cabeça. Uma placa de carro batido, a senha da fila do Banco... Fazia fé, uma hora a sorte chega. Não seria pedir muito, mas só a sensação de vencer...

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

SUJEIÇÃO ================



Inoculado
Por um beijo
Habitas aqui dentro.

Esvaziei-me... Outro-me.
Meu Senhor,
Meu escravo.

Sujeitos...
Vivamos até onde
Nos permitam as amarras.
Realizemo-nos dependentes
Seviciados dia-à-dia por carícias,
Carrasco e vítima de nós mesmos...

Seja feita tua,
Minha vontade.


MEU QUERIDO TIO =========


A notícia circulou por todas as colunas sociais da Capital, nos "tijolinhos" de comentários tendenciosos. Afinal envolvia gente de bem da sociedade. Houve um colunista afetadíssimo citador de dizeres que pretendeu definir a empatia entre um Tio ranzinza e o Sobrinho dissimulado, com frase atribuída a Charles Dickens, "é melhor ser-se privado da luz do sol que olhar para o mundo com maldade." - À guisa de tirar ensinamentos das más condutas humanas, pelo que culminou acontecendo...
Morreu o Tio numa fatalidade negligente no hospital. Deixara em bens pouco mais de 6 milhões em apólices de seguro, imóveis por diversos bairros, uma polpuda conta-bancária, fortuna considerável para um reles agregado familiar... Porém, como vontade de testamento, tudo para um cachorro vira-lata mimado, o qual ele encontrara, noutros tempos, abandonado na calçada. O pobrezinho agonizava por culpa de donos desumanos. Agora entregue aos cuidados de uma Ong Protetora de Animais. Também para ajudar bichos menos afortunados. Enquanto o Sobrinho já previamente sabedor, uma ninharia.
- Um mísero apartamento de praia no Guarujá, no calçadão da Av. Marechal Deodoro da Fonseca... - Confidenciava aos íntimos, escandalizado. Mais do que um amigo, ele era membro da família.
Dadas as circunstâncias da morte anunciada instaurou a polícia inquérito respeitando à risca o rito advocatício, a fim de sossegar os rumores pela mídia.
- Evidentemente o Dr. Advogado lhe instruiu, é apenas uma praxe... De modo que o laudo pericial, médico, não contradiga as verdadeiras causas e possamos evidenciar os fatos. - Iniciou o Delegado num certo exagero de cordialidade, atraindo-o à confiança dele.
Portanto, deu seu álibi... Embora tenha ficado naquela madrugada no quarto, como noutras vezes, ausentara-se no período em que o Tio estertorou no chão do hospital.
- A enfermeira finalizou o turno ao ministrar os medicamentos ao paciente... Não foi isso?
- Instantes depois deixei o quarto, seguro de que meu tio estivesse bem... Ainda alcancei a enfermeira no corredor. - Parecia ser mais uma daquelas crises... Bons médicos, cortava-se um pedaço das vísceras, remédios, a prolongar sua soberba agonia... Fora fazer a toalete, insone espairecera numa sacada do prédio.
Apesar dessa solicitude, Sobrinho e Tio conviviam num cordato parentesco aparente. Um dos mais ricos da cidade, o homem de gosto sofisticado era de difícil trato. Dado à mesquinharias e futilidades nos relacionamentos cobrando lealdade a todo custo. Nem tão bem quisto assim pelo próximo. Dizia com escárnio não depender das pessoas, o dinheiro lhe compraria o que precisava. Vivia à mesa rodeado de convenientes aduladores.
O Sobrinho por seu lado, valia-se do prestígio financeiro do ricaço. Jogava em cassinos clandestinos, promovia orgias sexuais nos puteiros baratos, tapeava comerciantes vítimas de sociedades mal sucedidas.. Endividando-se com o crédito do Tio.
- Esse bicho herdou tudo o que um cachorro poderia sonhar... Não é do tipo de cão que se chutaria... - Mostrou o policial uma foto expressando a alegria canina. Lá estava aquele animal patético, coleira de luxo, figurino temático, sempre a melhor comida... De que carecia o cachorro aquela vida luxuosa?
- Por alguma razão seu tio despertou espasmódico caindo do leito, quando bateu a cabeça e teve complicações... Provavelmente à procura de socorro. - Suposto que sem o efeito da sedação acordou... A dor penetrante pelas entranhas. A impedir-lhe qualquer grito.
- Acaso, o senhor estivesse lá... Mas não poderia prever. - O Delegado agasta-o, faz ardilosas conjecturas, a obrigá-lo permanecer trancafiado dentro de si.
- Nada entendo de enfermagem... - Se bem que reparasse os procedimentos com o cateter de medicação.
- Não é possível precisar o desligamento ou interferência intencional dos aparelhos, pois ele derrubou alguns dos equipamentos.
- Eu não queria mesmo sujar as mãos com ele. - Lá no íntimo insondável remoía consigo a sentença:
"...Que pedisse ajuda ao cão!"
   

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

SEM PALAVRAS ============


            Por ser tão grande
            Meu amor
            Não tentarei explicar
            Sob o risco de vê-lo
            Diminuído
            Vazio
            Piegas.

            Mas quando perguntam
            A razão desta entrega
            O que direi?
            - Sabe... É único
              Assim... Fascinante.
              Como dizer... De perfeição
              Adorável!... Entende?



MEU PAR PERFEITO ========

Ambos se encaminhavam excitados para o encontro.
Ela, 29 anos, feminina, personalidade forte, frequentadora de chats sentimentais, esperançosa por achar o seu príncipe encantado Super-Herói.
Ele, taurino, meia-idade, divorciado, praticamente debutante à procura de alguém, arriscara-se certa madrugada num bate-papo dúbio em um desses serviços telefônicos de "disk-amizade".
O casal que trocara algumas confidências pelo correio-eletrônico esperava secretamente ver atendidas suas expectativas...
"Minha metade,
Falo sério... Procuro um relacionamento duradouro, de confiança. Na companhia de uma mulher interessante. Sei que é possível encontrar a pessoa que melhor combina comigo. Quero acordar pela manhã e poder ver o amor que sempre sonhei está do meu lado." - Escreveu ele no e-mail. Seu perfil dizia tanta coisa, totalmente preenchido.
"Sei ser gentil, mas muito sincera. Uma mulher bem decidida e cheia de atitude. Meu coração anseia pelo homem ideal, aquele que seja o verdadeiro amor." - Correspondia ela durante o romance on-line.
No lugar marcado, numa galeria do shopping, avistaram-se sinalizando com um cartão em formato de coração vermelho-apaixonado.
- Aposto, você não me reconheceu pela foto do site. - Ao vivo ela parecia um tanto diferente. - Cheguei faz uns quinze minutos... Pra observar. - Algo nele mantinha-o naquele estado de incerteza.
Discretamente passeavam seus olhares pela vestimenta de cada um, a pele, os olhos, o portar-se, a relacionar as informações contidas nos perfis.
- Então, você curte livros do Sidney Sheldon... - Demonstrou ele ser conhecedor de particularidades dela.
Simpática, ela quase gargalhou ao ouvir confirmada outras constatações pessoais que faziam deles exclusivos.
- Eu me achava um cara esquisito... Excêntrico! Por colecionar robôs de brinquedo.
Nem sempre relacionamentos vivem só de presumidas compatibilidades. Havia as insondáveis coisas íntimas. Em que o idealizado virtual confronta-se com as opiniões reais.
- E você gosta também de cozinhar... Deve fazer pratos especiais. - Pôs ênfase, como quem aprovava. - Alimentar os outros é uma dádiva dos deuses!
- Mas isso não faz de mim uma "Amélia". - Acentuou a frase o instinto feminino.
- Uma mulher que saiba cozinhar tempera o casamento.
- Por outro lado, Sr. "Dotes Culinários"... Nada me agrada homens que usam gravata borboleta... - Como a que ele estava usando. - Não me parecem empreendedores, firmes... Confiáveis!. - Ele considerou aquilo bem direto ao ponto. Isso o colocou na defensiva.
- É só uma primeira impressão sua...
- Não é a que fica?
- Quis parecer elegante... Me exprimi mal, ok.
- Ih!... Você é do tipo que não aguenta ouvir crítica. - Constatava decepcionada.
- ...Nos enganamos certamente. - Nem terminou o jantar romântico.
O anúncio do site ainda propagandeava animado, "um relacionamento sério te espera"... Ah, o amor! Felicidade que nos escapa. Tudo começa bem, mas acaba indo mal.