# BLOG LITERÁRIO # POEMAS - CONTOS - CRÔNICAS #

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

SUJEIÇÃO ================



Inoculado
Por um beijo
Habitas aqui dentro.

Esvaziei-me... Outro-me.
Meu Senhor,
Meu escravo.

Sujeitos...
Vivamos até onde
Nos permitam as amarras.
Realizemo-nos dependentes
Seviciados dia-à-dia por carícias,
Carrasco e vítima de nós mesmos...

Seja feita tua,
Minha vontade.


MEU QUERIDO TIO =========


A notícia circulou por todas as colunas sociais da Capital, nos "tijolinhos" de comentários tendenciosos. Afinal envolvia gente de bem da sociedade. Houve um colunista afetadíssimo citador de dizeres que pretendeu definir a empatia entre um Tio ranzinza e o Sobrinho dissimulado, com frase atribuída a Charles Dickens, "é melhor ser-se privado da luz do sol que olhar para o mundo com maldade." - À guisa de tirar ensinamentos das más condutas humanas, pelo que culminou acontecendo...
Morreu o Tio numa fatalidade negligente no hospital. Deixara em bens pouco mais de 6 milhões em apólices de seguro, imóveis por diversos bairros, uma polpuda conta-bancária, fortuna considerável para um reles agregado familiar... Porém, como vontade de testamento, tudo para um cachorro vira-lata mimado, o qual ele encontrara, noutros tempos, abandonado na calçada. O pobrezinho agonizava por culpa de donos desumanos. Agora entregue aos cuidados de uma Ong Protetora de Animais. Também para ajudar bichos menos afortunados. Enquanto o Sobrinho já previamente sabedor, uma ninharia.
- Um mísero apartamento de praia no Guarujá, no calçadão da Av. Marechal Deodoro da Fonseca... - Confidenciava aos íntimos, escandalizado. Mais do que um amigo, ele era membro da família.
Dadas as circunstâncias da morte anunciada instaurou a polícia inquérito respeitando à risca o rito advocatício, a fim de sossegar os rumores pela mídia.
- Evidentemente o Dr. Advogado lhe instruiu, é apenas uma praxe... De modo que o laudo pericial, médico, não contradiga as verdadeiras causas e possamos evidenciar os fatos. - Iniciou o Delegado num certo exagero de cordialidade, atraindo-o à confiança dele.
Portanto, deu seu álibi... Embora tenha ficado naquela madrugada no quarto, como noutras vezes, ausentara-se no período em que o Tio estertorou no chão do hospital.
- A enfermeira finalizou o turno ao ministrar os medicamentos ao paciente... Não foi isso?
- Instantes depois deixei o quarto, seguro de que meu tio estivesse bem... Ainda alcancei a enfermeira no corredor. - Parecia ser mais uma daquelas crises... Bons médicos, cortava-se um pedaço das vísceras, remédios, a prolongar sua soberba agonia... Fora fazer a toalete, insone espairecera numa sacada do prédio.
Apesar dessa solicitude, Sobrinho e Tio conviviam num cordato parentesco aparente. Um dos mais ricos da cidade, o homem de gosto sofisticado era de difícil trato. Dado à mesquinharias e futilidades nos relacionamentos cobrando lealdade a todo custo. Nem tão bem quisto assim pelo próximo. Dizia com escárnio não depender das pessoas, o dinheiro lhe compraria o que precisava. Vivia à mesa rodeado de convenientes aduladores.
O Sobrinho por seu lado, valia-se do prestígio financeiro do ricaço. Jogava em cassinos clandestinos, promovia orgias sexuais nos puteiros baratos, tapeava comerciantes vítimas de sociedades mal sucedidas.. Endividando-se com o crédito do Tio.
- Esse bicho herdou tudo o que um cachorro poderia sonhar... Não é do tipo de cão que se chutaria... - Mostrou o policial uma foto expressando a alegria canina. Lá estava aquele animal patético, coleira de luxo, figurino temático, sempre a melhor comida... De que carecia o cachorro aquela vida luxuosa?
- Por alguma razão seu tio despertou espasmódico caindo do leito, quando bateu a cabeça e teve complicações... Provavelmente à procura de socorro. - Suposto que sem o efeito da sedação acordou... A dor penetrante pelas entranhas. A impedir-lhe qualquer grito.
- Acaso, o senhor estivesse lá... Mas não poderia prever. - O Delegado agasta-o, faz ardilosas conjecturas, a obrigá-lo permanecer trancafiado dentro de si.
- Nada entendo de enfermagem... - Se bem que reparasse os procedimentos com o cateter de medicação.
- Não é possível precisar o desligamento ou interferência intencional dos aparelhos, pois ele derrubou alguns dos equipamentos.
- Eu não queria mesmo sujar as mãos com ele. - Lá no íntimo insondável remoía consigo a sentença:
"...Que pedisse ajuda ao cão!"