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segunda-feira, 11 de maio de 2015

ADORÁVEL MANEQUIM =======

Seu casamento perdera o encanto, confessou ele em uma das sessões iniciais no meu consultório. Até aí nada que causasse estranheza à análise da psicologia. Possibilidade de elaborar um diagnóstico.
A cônjuge dominadora o prendia no lar. Controla seus passos, tenta ler seus pensamentos, quer ver atendida ainda mil exigências e gostos egoístas. Queixava-se ele. Ardentes "tapas na cara" e amargos beijos.
Certa ocasião, dirigindo seu carro à noite pelos lugares da cidade encontrou Sheila. Embaixo dum poste mal iluminado, praticamente no lixo. Desarticulada e esquecida numa sarjeta.. Se sentiu tentado a pegá-la e levou consigo para casa. Muito embora faltasse um braço. Nem por isso deixara de ser bela a Vênus de Milo assim amputada. Providenciou um vestido emprestado da patroa. Ela já tão exposta na vitrine, nua na calçada. Sob o olhar admirado da clientela. Sheila, nome de batismo, como soube, era uma manequim de loja desempregada.
Passaram a conviver tendo a manequim, uma agregada da casa. Ele cuidava pessoalmente de Sheila. Trocava-lhe as roupas, punha lingeries de renda, acessórios femininos: sapatos, bolsas, pulseiras, colares, óculos, perucas, lenços, chapéus. Logo esbanjou a dar as melhores roupas e presentes surpresa, aspergia caros perfumes naquele corpo de plástico cor de pele. Interessou-se por moda fashion para vesti-la bem. Compartilhava posts nas redes sociais ao lado de Sheila, vestida em diferentes figurinos, poses, passeios, eventos.
- Você me completa, Sheila... Vão dizer que fiquei louco. - Revelou tomado num estado hipnótico. - Apaixonara-se por ela, a manequim. A mulher escandalizada sentiu-se traída por Sheila. Parte de um triângulo amoroso inusitado envolvendo o marido e aquela boneca. Um descaramento admitir o amor por outra, não bastasse trazê-la para dentro de casa.
Sheila permanecia disposta pelos cômodos. No sofá, à mesa do jantar. Ouviam música juntos, singles e baladas românticas tragicamente veladas pela esposa enciumada. Justo a manequim, mulher ideal, companheira. Modelo sob medida. Presente nos momentos festivos da residência. Férias na praia.
Quando decidiu a primeira vez passear em público de braços dados com as duas, a esposa ficou fula com semelhante perversão:
- Mas, eu não vou ajudar a carregar essa piranha! O senhor vai se virar sozinho. - E tudo terminava em desencontros. Disputavam mesmo as duas um lugar na frente do carro.
Na companhia de Sheila, ele conseguia abrir o coração.
- Com ela consigo conversar. Sei que me entende, Doutor. Vejo isso nos olhos dela fixos em mim. E nem precisa dizer nada. - Justifica dramático recostado no divã. Sofria estar apartado naquela hora do objeto de seu amor, na ante-sala. Sheila o apoiava.
- Isso que o marmanjo quer, brincar de boneca?... É ela, ou eu!! - Alguém era demais naquele relacionamento. Se a mulher não fosse tão tirana. Trocaria de vez a manequim pra estar com a esposa.
Imaginou que a manequim havia sido moldada num corpo de mulher verdadeiro e nele ficara a essência feminina, ganhando vida nos seus braços. A sós, sentiu-se estranho ao vê-la no banho quente. Seu corpo de plástico, tépido.
- Ah, aqueles mamilos duros!... - Deleitava-se ao mencionar os predicados. - A curva firme do seu traseiro... Sem palavras, Dr.
Uma tarde a mulher flagrou o infiel... Deliciava-se!! Prazer de fazer inveja.
- Eu já vinha desconfiada dessa afeição pela boneca... - Constatava a traição consumada. Tanto lamentou não ter uma máquina fotográfica naquele instante. Livrara-se dum processo por danos morais.
Rejeitou qualquer terapia curativa. A argumentação de necessitar relacionar-se com pessoas de carne e osso. Seria Sheila projeção da esposa que sonhara... Queria se entender. Tanta gente destina seu afeto a um bicho de estimação, que quer bem. Um pop star que jamais vai conhecer além dos posteres, um toy virtual numa tela de computador... Por que não Sheila?
Pediu o divórcio, temia ser acusado de bigamia.