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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

PLATÔNICO BUROCRÁTICO =====

  "(...)Sua carne estava sempre em brasa, e seu calor
   era contagioso. A mais fria das peles se aqueceria ao seu contato..."
                                                                        (Anaïs Nin)


Requeiro para as boas intenções afins,

do teu corpo lavrar posse, minha musa amada.
Enquanto caminhas satisfeita pelo quarto,
só vestida com a fumaça do cigarro,
a esmagar meu coração aos teus pés...

Sem veleidades considerar o que fazes,
que o juízo alheio julga errado
a induzir-me igualmente em flagrante delito.
Contudo, tomo isto como um pecado abençoado
ao invés de lamentar por sequer tê-la tentado.
E uma única vez apenas infringir essa proximidade,
dizer ao teu ouvido maviosamente:
"Tua vontade é o que tu queres.
Nada mais pode sê-la proibido!
Não temas minha petição."

Dar vazão à minha virtual obsessão predileta.
Te dar banho afagando-a de um modo indiscreto.
No entanto, confessas descuidada
suas paixões numa conversa.
Posa e se arruma
pro meu exercício literário.
Às vezes me repara
com seu olhar distraído,
conjeturas, beberica no copo
entre outras coisas etcetera...

Eu, platônico, outrossim, burocrático
te espreito na promessa de tê-la.
Somente por uns instantes
volúvel como só tu sabes
encobrir tuas falhas nos lençóis.
Que a outrem fá-los perdoar
pela saciedade dos teus beijos sumarentos.
Quanto a mim, basta o rumorejar da tua saliva
enquanto ri. Todavia, também sinto sede.
Dai-me de beber com um beijo.

Assim eu te beberia a desfrutar
a embriaguez do teu cálice,
brindando na presença de todos.
Mesmo que testemunhos maledicentes
atestem a verdade que dou fé.
Ele é casado! - Tamanho escândalo
por causa de um beijo,
olhos fechados quando me convém
vislumbrar o oásis deste teu regaço.
Pois estou cego, dá-me a esperança desesperada
de constatar meu desengano.
Que mal há em ver aquilo
que não existindo
possa-se sonhar o engano?

O que Vi? vi antes, não melhor nas outras.
Mas este encantamento que lhe sobra,
do qual me alimenta os restos.
Um tal fogo que não queima, porém se incendeia.
Esta ferida dilacerada, "muda e sempre".

Não vejo como impedir o indulto
desse sentimento neste meu coração perjuro.
Quem culpar se no amor os culpados
são apenas vítimas consentidas?
Embora seja réu declarado
conivente da mentira.
Pretendo elucubrar meu sentimento sórdido
te amar bendizendo casta e pura.
Condenado castigo,
admitir mea ingênua culpa.

                                 Vicente de Carvalho, Outono de 1996.