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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

À MEIA-NOITE DO NOVO ANO =====

Foi numa dessas festas de réveillon. Eu era convidado e estava desacompanhado, um tanto sozinho entre os convivas. Ali em meio a diálogos, situações, não pude escapar a avaliadores pensamentos, por vezes despertos pelo rito social daquela ocasião...
- Ah, querida, pra ajudar a sorte me precavi. Cartas, folha de louro na carteira, troquei os lençóis... Até búzios!! As coisas precisam dar certo! Não poupei nem o marido. Tá de cueca amarela. Né, meu bem... - Ele riu, tinha uma espécie de segredo descoberto.
- ...Cada ano experimento algo diferente. Pular 7 ondas do mar, uma comida sabática, agora aprendi um mantra de prosperidade. Mas não posso revelar à ninguém...
- Xô,xô! Vamos afastar os maus fluidos... - Sobressaiu-se uma voz efeminada. 
- Como sou religioso, rezo, faço promessas, nunca tive essa necessidade... - O branco do traje lhe convinha. Trazia consigo um precioso amuleto sacro... Deixei-me envolver numa conversa de um grupo formado no sofá e poltronas. O que esperar para o próximo ano? Conforme consultam tarólogos entrujões, astrólogos sem lunetas, em suas previsões óbvias de amor, saúde, dinheiro. Previsíveis conselhos consoladores. A recomendar simpatias, banhos de flores, sais e ervas, sessões espirituais. Essas supersticiosas pessoas esclarecidas (de suposto status, algumas cultas!?) dizem piamente acreditar, sem se diferenciar nada da gente comum, tal qual a doméstica ou o torcedor de futebol...
Se bem me recordo a trilha sonora dum aparelho estereofônico reverberava pelo ambiente músicas de Elvis Presley, Frank Sinatra, Johnny Rivers, Dionne Warwick, Barbra Streisand, Roberto Carlos, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Charles Aznavour, Peppino di Capri, Julio Iglesias, embalando latentes emoções.
- A festa está maravilhosa, Sr. Urbain... - Ouvi duma faceira conhecida a mim apresentada momentos antes, que parecia ter errado no vestido para a noite, passando entusiasmada através da sala rumo a sacada da varanda.
Lindas velas desfeitas em brandas chamas ardentes iluminavam os recintos. Dourados reluzentes enriquecem a decoração. Havia um antigo relógio de pêndulo que marcava as horas, na derradeira volta daquele velho ano.
- ...Sim. É importante preparo para o mercado. E saber capitalizar! Entender a energia que o move. Pouco rende a financeira, sem a intuição mental. Não por acaso, sempre escolho datas emblemáticas quando estabeleço um novo negócio, números simbólicos, ligações ancestrais. Faço mesmo um estudo extra estatístico, um mapa astral business!... - Dizia um obstinado empreendedor, desses que empenham em crendices seu sucesso. - ...Atitudes positivas colaboram muito. Manter a cabeça contra as dúvidas. O universo devolve o que você mentaliza! - Afirmativamente concordaram aqueles entorno dele, imaginando girar a Roda da Fortuna.
Daí certo indivíduo já embriagado antes da hora, a todos proferiu seu raciocínio etílico:
- Ei, pessoal!!... Quero falar o seguinte... - Quis parecer sóbrio, a espontaneidade desalinhava-o. - ...Um minuto de atenção!... A gente não pode se acomodar. O próximo ano é de mudança! - Cambaleou satisfeito, porém decepcionado com a solidariedade.
É evidente que dentre tantas razões este ritual se repita. Talvez homens e mulheres não se deem conta da misteriosa expectativa... As pessoas comemoravam o término daquele ano por terem vencido uma vez mais a morte, adiado para mais tarde o seu fim...
Então, pelos céus refulgem as estrelas cadentes dos fogos de artifícios, o ribombar dos rojões, todo espocar do foguetório. A varanda repleta, outros debruçavam-se nas janelas, saíram ao quintal de mãos dadas, abraçados felizes da vida, enquanto miram o céu profundo... Nisso espocavam champanhes, transbordaram taças tilintantes, batiam corações desejosos em realizar velhas esperanças...
De minha parte o que sinto, é que o amanhã será outro dia. E a certeza do sol que se levanta.
    

quinta-feira, 13 de abril de 2017

CONTO PASCAL =====

Pelos dias da semana santa cristã vinha perambulando (nada de novo) quando deparou-se com um peixe morto na calçada, as escamas gratinadas ao sol, o olho seco vítreo, assado sob à luz outonal da cidade.
Um feriado assinalado em cruz vermelha no calendário, ainda romano. Época de férteis ovos de páscoa em enfeitadas gôndolas comerciais, pratos a base de peixe e frutos do mar. Reportagens falavam boquiabertas dos preços, tanto como do sacrifício amargo de cada um para o doce consumo. A reprise sádica da Paixão de Cristo nos canais de tv. Lotadas igrejas piedosos sermões, pregações extremadas. Desde o Natal o cordeiro primogênito de Deus havia sido cevado dos conhecimentos da vida rés, portanto estava pronto para ser servido à fé faminta. Despedaçado em cerimônia antropofágica, repasto de almas ávidas negociadas nas alturas por "Todos-Poderosos".
Nisso lembrou do panfleto bíblico dos "Testemunhas de Jeová" entregue num cruzamento da avenida. Jazia no bolso da calça, graças ao seu sentimento politicamente correto, pois a senhora que lhe estendeu as divinas escrituras abrasava com o calor dourado do meio-dia... Nunca sabia o que fazer com as inutilidades, a instrução era que não se jogasse aquelas palavras na sarjeta. Considerando-se distante dessas coisas. Pouco culpado pelos reveses do mundo. Até ele parecia caridoso, dando trocados aos pirralhos malabaristas dos semáforos. Onde saldava sua dívida egoísta.
Aquilo é possível que fosse um sinal sobrenatural. Ele incrédulo diante do milagre, quando o peixe saltasse da calçada arredio e nadasse pelo asfalto seguindo o tráfego, a multiplicar-se e matar a fome insaciável... Acredite, nem tinha tomado tantos cálices assim. Embora uma pomba urbana arribasse duma luminária do poste da rua... Ah, morte inútil! Sem ressurreição.
Mas não deixou de pensar naquele desperdício.