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sábado, 25 de agosto de 2018

A RAZÃO DOS TOLOS =======

Que ela tinha uns hábitos estranhos ninguém negava. O cabelo sem pentear parecia denunciar a confusão mental que ia por dentro da sua cabeça. Ou mesmo colocar o maior número possível de vestuário sobre o corpo em pleno verão, nunca lhe causara estranheza. Mas chamá-la de louca seria confusão na certa, isto sim a levava à loucura.
Os sobrinhos quando queriam atazaná-la logo diziam que ela era doida demais. E disparavam em gargalhadas fugindo da tia ensandecida. Ela rejeitava tal idéia como se um fantasma a perseguisse. Desesperada corria pra entupir-se de calmantes.
Jamais fora mais longe que o portão de casa. Além é claro, do pronto-socorro durante suas crises. Onde costumava entreter a longa fila com seus casos quase fatais. Da vez que passara um final de ano em coma, praticamente vegetativa, só acordando no ano seguinte como que ressuscitada.
- Não acredita...? Na tv vira e mexe mostra gente que vive feito repolho. O hospital inteiro veio me visitar... Juro. Ficaram impressionados! Coisa de Deus!! - Dizia a um desconhecido qualquer com quem conversava na maior das intimidades. A discorrer sobre o comportamento das enfermeiras, sempre se referindo como verdadeiras pestes. - Essa aí de santa só tem a cara... - Indicando com desprezo uma inocente que cruzara de um consultório a outro, distinta no seu uniforme imaculado... No mais, o orgulho que sentia das doses cavalares de tranquilizantes que já havia tomado. Numa minúcia de prescrição medicamentosa de fazer inveja a muito doutor. Tudo pelo princípio ativo e dosagens específicas. Algumas vezes ainda presa à maca, Ela já vinha exigindo o que deveria ser ser ministrado. Como ficaria curada, fosse outro remédio teria efeitos colaterais. Nem carecia incomodar o clínico de plantão. O médico era um mero detalhe. A injeção é que resolvia seu atarantamento. Dali somente aceitava sair medicada.



Nem sempre dizia coisa com coisa, repetindo-se num mesmo assunto. Retomando a descrição anterior do ocorrido como fato novo. Sucedia momentos em que ensimesmava num silêncio tumular. Entretanto, acontecia sair-se com uma dessas:
- Sabe, eu não queria ter nascido gente... Era melhor nascer árvore. Sozinha num quintal, num pasto. - Dizendo isto plantou-se de pé com os braços estendidos para o alto, os dedos espichados imitando dois grandes galhos.
- Tolice, mulher... - Repreendia a vizinha. - E se fosse uma planta no meio da mata? Ia ter árvore de todo lado.
- Qual o quê! Árvore não fala. Cada qual cuida da sua própria vida... Sem aborrecimentos.
- Enterrada no chão assim...? - A outra ironizou.
- Desde que me conheço por gente, vivi enterrada nessa lugar.
- Ih... Parada deste jeito que você está! Ia cansar, cair e quebrar o galho.
- Ao menos tinha alguma serventia. Virava porta. Talvez, uma canoa...
- Que foi!? Ficou maluca de vez!
- Eu?... Nada! - Suspirou fundo lastimando sua própria condição. - ...Cansei de ser gente. - Em seguida balançou os braços como se uma aragem repentina lhe pendesse os galhos.