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domingo, 15 de dezembro de 2019

O 'HOMEM DE DEZ MIL ANOS' # 1

Assentou-se o 'Homem de Dez Mil Anos' junto à uma nascente. Acima o mosaico de casas resplandecia na encosta sob a luz da tarde tranquila. Eis que se vislumbrava o reflexo de uma mulher no espelho d'água trazendo um pote.
- Posso eu também tomar desta água? - Aproximou-se largando o cântaro às margens do regato.
- A fonte dá de beber a quem tem sede. Sacia pois a tua.
- Pudera matar minha vontade...
- Seja qual for tua sede farta até o último gole.
- Bebo aqui a longos anos... Esta nascente é a mesma.
- Por certo ainda que tu sejas a mesma, as águas que fluem da fonte jamais. Pois o hoje mesmo que não percebamos, é diferente do ontem. O que é o presente senão o fim do passado no porvir. Embora parados, todos seguem adiante.
- Coisa alguma me satisfaz. Torno a ter sede. - Ele a vigia na sua faina. - O que possuía de valor dei aos necessitados. Em troca nada recebi.
- Julgavas consolar teu espírito com a caridade dos hipócritas? Que oferecendo uma esmola de vez em quando estará sustentando os famintos? Lembra-te, límpido é o manancial que jorra do coração. Partilha dele se puderes.
- Quis ser justa e fui vil. Errei por minha culpa. - Fez içar o pote transbordante. Ele a amparou.
- Assim como o veneno é próprio da serpente, também será o erro na pessoa. Todavia, os males e os pecados não estão nas coisas. Existem apenas na mente humana conforme sua própria moral.
- E se eu me corrigir... Isso há de me tornar mais feliz?
- Porque fazes da felicidade a mesquinhez de um único indivíduo. Uma pessoa alegre por alguma razão, não fará a felicidade da humanidade como um todo.
- Insistem que eu devo rir. Para não parecer sisuda.
- Sorria se quiseres contanto, que não seja o riso da tua idiotice.
Num sinal de gratidão ela abraçou-o e regou-lhe os cabelos com seu pranto.

domingo, 3 de novembro de 2019

JARDIM DE INFÂNCIA =======

Não importava quanto a vida lhe negue, o moleque sabia conquistar sua sobrevivência. 11 anos talvez. Pelas padarias, cruzamentos, ganhava um bom bocado que ameniza a fome. Ele mastiga as palavras em meio aos pedaços dum salgado.
A mãe nalgum lugar apartado da cidade, inquieta pensando nas maldades do mundo, não impedia de escapulir. Era o gênio dele respondia à assistente social.
Pedia, insistia. Voz contrita consistia a artimanha:
- Pô, tio! Paga aí... Ô, tia! Tô cuma fome. - Assim como um parente distante que aparecia de repente. Encontro fortuito de sagacidade ludibriadora da bondade. Apelava até conseguir. Uma coxinha, descolava um café com leite, doce ou refrigerante.
Um simples moleque. Ele o futuro da pátria. Pequeno herói do infortúnio, dado à travessuras urbanas, trazia o olho roxo socado por um guarda municipal da patrulha. Esses corrigiam por linhas tortas... Nisso deu uma golada num suco gelado, sabor artificial de laranja. Não era um menino mau, pois que aprendeu a criar "coleirinha", cuidado pela mãe. Tem uma gaiola pendurada no barraco da favela.
Há os que insistem em lhe dar conselhos. Perguntavam se o moleque tinha mãe... Se fosse filho de chocadeira! Enteado da sorte madrasta isso sim. Mesmo uns coleguinhas de rua sacaneavam dizendo, que nem o seu pai quis conhecê-lo. E riam com aquela inocência perversa dos fedelhos.
Lambendo os dedos engoliu o último pedaço, entornou o que sobrara no copo descartável. Depois de amarrotar o guardanapo, lançou fora da lata de lixo outra vez... Acertaria na próxima. Vendo isto a garçonete obriga que apanhe o papel.
Distraía-se com a programação exibida em televisores dos bares. Atendia o malandragem junto à esquina por um favor, filósofo da "letra" do asfalto. Garimpando um punhado de moedas, se dava o luxo de escolher o que comer nas vitrines tentadoras das bombonieres. Comprava drops pra agradar a garota bonita, que vende aos passantes ali na frente da porta do Banco. Daí era penar de bolsos vazios, estômago acusando novamente a fome. Passar por baixo da catraca do ônibus, se o motorista deixasse.
A vagar pelas calçadas, o moleque aventurando-se nos jardins da infância citadina, entre os bosques furtivos de prédios, desperta debaixo da marquise dos grandes magazines, quando o sol se levanta para um novo dia. Este querubim decaído, sujeito à pequenas trapaças dado o caráter da sociedade. 

terça-feira, 30 de abril de 2019

O 'HOMEM DE DEZ MIL ANOS' # 0

Seu quintal abrangia o planeta inteiro. Deste modo que preferia ver os espaços além da estrada, enquanto caminhava a esmo. Era no gozo da sua liberdade que o 'Homem de Dez Mil Anos' ampliava a dos outros ao infinito. Se a natureza o fizera humano decerto não faria sentido comportar-se feito as plantas, presas às raízes num único lugar; afim de florescer e brotar os frutos. Contornando o penhasco avistou pessoas ao redor de uma fogueira, junto à arrebentação das ondas logo abaixo. Diziam-se também viajantes em busca de seus destinos. Tinham os corações oprimidos transbordantes pela boca.
- A que viemos?... O que somos? É a sombra que persegue meus passos... - Expôs melancólico um deles.
- Reparem nossas sombras formadas pelo lume do fogo. - Iniciou o 'Homem de Dez Mil Anos', mostrando as imagens tremeluzentes contra o rochedo. - Elas estão lá, nós as vemos... Mas de fato elas existem? Assim é o Homem, miragem cósmica no universo. Preocupem-se em manter o fogo aceso. Seria o bastante.
- Nessas andanças um anjo me revelou que os tortos caminhos não levam a lugar algum. Que há só um caminho... Por isto minha jornada cessa aqui.
- Porque as pessoas temem Deus haverão de deixar de investigar os mistérios da existência?
- Nós nada somos ante os desígnios divinos. - Insistiu o andarilho resignado.
- A semente só germina tendo o caroço se libertado da casca... Haverá a terra de recriminá-la por tal audácia?
- Olho para o céu ao entardecer e pergunto a razão toda dessa angústia. - Disse a viajante aquentando as mãos no calor das labaredas.
- Não perguntem ao universo, onde nada repercute, conquanto saibam a resposta. O que importa sobre as nuvens não são as figuras que elas formam no céu, mas as forças da natureza que agem sobre elas. Assim procedendo estarão livres do cabresto social.
- Será possível nesta sociedade viver segundo nossa própria vontade?
- Eu sonho com o dia em que a Terra pare. Nesse dia as pessoas deixarão de lado as coisas fúteis do cotidiano, cumprir a despótica ordem estabelecida e raciocinar sem esta avareza da ganância. Para serem então novas pessoas, num mundo verdadeiramente novo. - Prestes a seguir tornou dizendo. - Tens a chave e a fechadura resta saber o que há por trás da porta... Quem tiver coragem abra!