Ela tinha consciência. Estava dormindo presa à imobilidade do sono. Assim o que acontecia não passava de um devaneio. A estranheza das coisas, das cores, da presumida realidade... Daquela abstração.
...Sua mente se desloca pelos recônditos recantos do inconsciente. Visões difusas misteriosas férteis de significados... Impressões advindas dum monólogo interior...
"...Por que este jardim nasceu no meu tapete?... Nunca reparou o quanto é pródiga. Cheia de atributos..." - As formas nuas exaustas sob o lençol. O esbelto corpo bronze.
"...Desde quando não te olhas por inteira no espelho? Não é possível deter todas as imagens num espelhinho de cosmético... Nem a vida. Talvez a beleza... Tola insatisfeita!" - Aquela solidez onírica a desfigurar-se.
"...Essas lindas flores germinaram dos gametas dos homens que deitaram na tua cama... E gozaram em tua boca. É o vômito regurgitado pelo teu estômago a apodrecer o tapete... Porquê deste tom acusador?... Por ser fugaz..." - Artificialmente mulher. Permitia-se experimentá-los... Homens que contraditoriamente dominaram tuas vontades. Conquanto, a família escolhe-se por ela um par perfeito no altar.
...Deixara de ir a faculdade. As belas-letras a confundem. E cada vez mais seu corpo se embrenhava na armadilha sonífera de Morfeu. 10 mg de Valium. Pela manhã cedo o namorado foi embora. Partindo com um beijo despretensioso...
"...Sente de novo as sensações de sua mão deslizante, a tépida respiração que envolve os rostos, a umidade de sua boca nos seios aflitos..." - Mas a relação seguia instável, ele não comenta, desvia o olhar, muda de assunto quando pode. Insegura tem medo... A respiração fica ofegante. Seu coração oprimido. Ele permanece em seus pensamentos.
"- Lena!... Acorda! Eu já vou indo. - Sua voz vinha de longe. - Tchau!... Tá me ouvindo? - Forçara a visão procurando desvencilhar-se da sonolência.
- Tô!...
- Da próxima vez vou te trazer flores. - Então o beijo na face.
"...Para um enterro." - Quis dizer. Tosco não sabe agradar.
- Sem espinhos, por favor! - Pareceu responder numa voz grogue.
- Dorme bem..." - Lá fora o cotidiano urge por seus próprios interesses. Tantos compromissos inadiáveis... Deixou-se afundar de vez no colchão.
Nessa jornada dentro de si mesma... Consola-te do teu aborto. Agora inúteis braços para embalar... Eva solitária bastante apedrejada. Deste ato trágico renasce a moça comportada da sociedade...
"...Não se perca. Renega a mulher em ti?... Quer buscar a saída... A porta está bem adiante. É só caminhar... Ali não é a porta e sim uma janela!... Saia se quiser. Cruze a fronteira!... - Esta também parecia verter-se feito o ventre de um túmulo.
Despertou!... Arrastando-se até a sala. Diante do recorte da janela sentiu um calafrio, e indo ao umbral avistou o peculiar movimento ruidoso urbano.