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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

SONÍFERA =============

Ela tinha consciência. Estava dormindo presa à imobilidade do sono. Assim o que acontecia não passava de um devaneio. A estranheza das coisas, das cores, da presumida realidade...  Daquela abstração.
...Sua mente se desloca pelos recônditos recantos do inconsciente. Visões difusas misteriosas férteis de significados... Impressões advindas dum monólogo interior... 
"...Por que este jardim nasceu no meu tapete?... Nunca reparou o quanto é pródiga. Cheia de atributos..." - As formas nuas exaustas sob o lençol. O esbelto corpo bronze.
"...Desde quando não te olhas por inteira no espelho? Não é possível deter todas as imagens num espelhinho de cosmético... Nem a vida. Talvez a beleza... Tola insatisfeita!" - Aquela solidez onírica a desfigurar-se.
"...Essas lindas flores germinaram dos gametas dos homens que deitaram na tua cama... E gozaram em tua boca. É o vômito regurgitado pelo teu estômago a apodrecer o tapete... Porquê deste tom acusador?... Por ser fugaz..." - Artificialmente mulher. Permitia-se experimentá-los... Homens que contraditoriamente dominaram tuas vontades. Conquanto, a família escolhe-se por ela um par perfeito no altar.
...Deixara de ir a faculdade. As belas-letras a confundem. E cada vez mais seu corpo se embrenhava na armadilha sonífera de Morfeu. 10 mg de Valium. Pela manhã cedo o namorado foi embora. Partindo com um beijo despretensioso...
"...Sente de novo as sensações de sua mão deslizante, a tépida respiração que envolve os rostos, a umidade de sua boca nos seios aflitos..." - Mas a relação seguia instável, ele não comenta, desvia o olhar, muda de assunto quando pode. Insegura tem medo... A respiração fica ofegante. Seu coração oprimido. Ele permanece em seus pensamentos.
"- Lena!... Acorda! Eu já vou indo. - Sua voz vinha de longe. - Tchau!... Tá me ouvindo? - Forçara a visão procurando desvencilhar-se da sonolência.
- Tô!...
- Da próxima vez vou te trazer flores. - Então o beijo na face.
"...Para um enterro." - Quis dizer. Tosco não sabe agradar.
- Sem espinhos, por favor! - Pareceu responder numa voz grogue.
- Dorme bem..." - Lá fora o cotidiano urge por seus próprios interesses. Tantos compromissos inadiáveis... Deixou-se afundar de vez no colchão.
Nessa jornada dentro de si mesma... Consola-te do teu aborto. Agora inúteis braços para embalar... Eva solitária bastante apedrejada. Deste ato trágico renasce a moça comportada da sociedade...
"...Não se perca. Renega a mulher em ti?... Quer buscar a saída... A porta está bem adiante. É só caminhar... Ali não é a porta e sim uma janela!... Saia se quiser. Cruze a fronteira!... - Esta também parecia verter-se feito o ventre de um túmulo.
Despertou!... Arrastando-se até a sala. Diante do recorte da janela sentiu um calafrio, e indo ao umbral avistou o peculiar movimento ruidoso urbano.

domingo, 7 de janeiro de 2024

O 'HOMEM DE DEZ MIL ANOS' # 4

E foi que o 'Homem de Dez Mil Anos', nessas suas andanças, chegou num caminho que se bifurcava... Logo atrás um séquito o seguia. Detiveram-se à espera que ele lhes indicasse uma direção.
- É chegado o momento de vocês escolherem... O caminho não é uma linha reta, porventura fosse, adviriam outras circunstâncias seja na margem ou no percurso. - Por alguns instantes pareceram desorientados.
- Põe-te a andar simplesmente pela liberdade da razão. Sem objetivos, mas numa direção definida. Para fora de ti mesmo. Junto de si... Perder-se deste eu que se perdeu. Querer estar fora de si. Vir ao mundo interior. - Uma balbúrdia de vozes confusas questionava.
- Fora das cidades, além do bem e do mal, trilhando sua jornada. Pronto para voar. O horizonte límpido nos olhos... A uma certa distância enxerga-se melhor. Caminhar terras cujos limites ninguém ainda mediu, inexploradas estão ainda as veredas do homem. - Do qual o semi-deus sentia-se muito íntimo pelas aflições.
- Não raramente fugimos daquilo que os seres humanos em geral fogem. Todavia, buscando o que eles vulgarmente anseiam. Uma coisa é fugir... Outra é procurar.
Diante dos olhos as incertezas do destino.
- Filhos da dor... Mal se dão conta de quanto a dor acompanha nossas vidas. Seja no nascimento, na perda, na falta... Na morte. Na solidão, neste prosseguir... Veja, a solidão humana interior pode ser um labirinto ou uma jazida de ouro. Assim mudando de rumo dou continuidade a tragédia... Conhece a ti mesmo, é o que propõe o caminho.
Sequer precisava estar com eles para guiá-los. 
- Tudo o que almejo é pertencer a mim mesmo... Não é de cadáveres que necessito como companheiros de viagem. Nem peço que me sigam, senão pela vontade de seguirem a si próprios. E digo mais, desgarra-te do rebanho chamado sociedade. Rejeita estar oculto na falsa segurança do teu meio... Não sou como o pastor que teima em apascentar vossos apetites longe dos perigos. Pois nem sempre a verdade é feita de belas palavras. Como não é verdejante o pasto que oferece o mundo...
Enquanto os demais se decidiam, o 'Homem de Dez Mil Anos' desapareceu adiante no caminho.