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quinta-feira, 13 de abril de 2017

CONTO PASCAL =====

Pelos dias da semana santa cristã vinha perambulando (nada de novo) quando deparou-se com um peixe morto na calçada, as escamas gratinadas ao sol, o olho seco vítreo, assado sob à luz outonal da cidade.
Um feriado assinalado em cruz vermelha no calendário, ainda romano. Época de férteis ovos de páscoa em enfeitadas gôndolas comerciais, pratos a base de peixe e frutos do mar. Reportagens falavam boquiabertas dos preços, tanto como do sacrifício amargo de cada um para o doce consumo. A reprise sádica da Paixão de Cristo nos canais de tv. Lotadas igrejas piedosos sermões, pregações extremadas. Desde o Natal o cordeiro primogênito de Deus havia sido cevado dos conhecimentos da vida rés, portanto estava pronto para ser servido à fé faminta. Despedaçado em cerimônia antropofágica, repasto de almas ávidas negociadas nas alturas por "Todos-Poderosos".
Nisso lembrou do panfleto bíblico dos "Testemunhas de Jeová" entregue num cruzamento da avenida. Jazia no bolso da calça, graças ao seu sentimento politicamente correto, pois a senhora que lhe estendeu as divinas escrituras abrasava com o calor dourado do meio-dia... Nunca sabia o que fazer com as inutilidades, a instrução era que não se jogasse aquelas palavras na sarjeta. Considerando-se distante dessas coisas. Pouco culpado pelos reveses do mundo. Até ele parecia caridoso, dando trocados aos pirralhos malabaristas dos semáforos. Onde saldava sua dívida egoísta.
Aquilo é possível que fosse um sinal sobrenatural. Ele incrédulo diante do milagre, quando o peixe saltasse da calçada arredio e nadasse pelo asfalto seguindo o tráfego, a multiplicar-se e matar a fome insaciável... Acredite, nem tinha tomado tantos cálices assim. Embora uma pomba urbana arribasse duma luminária do poste da rua... Ah, morte inútil! Sem ressurreição.
Mas não deixou de pensar naquele desperdício.


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