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segunda-feira, 4 de outubro de 2021

EM TUDO GRAVIDADE =======


Conhecíamos nossas diferenças
Mas uma atração irresistível
Nossos corpos ardentes no espaço
Nos fez contar com a sorte
Que revelam os astros.
Verdades insustentáveis
A taça que cai ao chão
Meu coração despedaçado
O tropeço no caminho
Um mal passo neste amor
Andar à beira do buraco
Sem horizonte singular
Acabou-se o mundo.

domingo, 18 de abril de 2021

O 'HOMEM DE DEZ MIL ANOS' # 2

Certa ocasião o 'Homem de Dez Mil Anos' aportou numa pequena cidade. Nesse dia disputava-se um clássico de futebol entre a agremiação local e o time da cidade vizinha. Para o campo acorriam centenas de torcedores com suas bandeiras, instrumentos de algazarra pra sustentar o coro da arquibancada.
Chegando ao estádio sentou num espaço que separava as duas torcidas rivais, onde se xingavam mutuamente antes do jogo começar. Ao adentrarem o gramado os times foram recebidos pelo fumacê nas cores dos clubes, muitos gritos de guerra e espocar de rojões. Depois do "cara ou coroa", o árbitro deu início à partida...
Corre pra lá, corre pra cá. Algumas botinadas, mais ofensivo o esquema tático do rival encaixou... Aos quinze minutos do primeiro-tempo o escrete visitante abriu o placar. A torcida adversária foi à loucura. Empolgado com o golaço que fizera o craque meia-esquerda, ao driblar o zagueiro daí chutar pro  fundo da rede, o 'Homem de Dez Mil Anos' sacudiu pra valer na arquibancada... Nisso o adversário armou a retranca passando a se defender, à espera do contra-ataque. Obrigando seu goleiro fazer grandes defesas.
No intervalo, os jogadores ameaçaram sair aos tapas. Aqueles torcedores que não foram mijar, tiravam sarro uns dos outros, cantorias, provocações diversas. Embora tenso, aquilo estava aquém das manifestações que vira entre os chineses, 2.500 anos antes de Cristo, quando os soldados se divertiam num jogo animado chutando o crânio de seus inimigos decapitados. Ou como assistira épocas atrás durante jornada à Civilização Maia, em que dividiam dois coletivos, os quais deveriam acertar com uma bola a meta na forma de aro. Sendo esta disputa tão ferrenha, que o líder do time perdedor era punido com a morte... Então recuperadas nos vestiários, as equipes retornaram e deu-se  continuidade à peleja...
O clube anfitrião voltou melhor pro segundo-tempo. Uma torcedora nervosa roía as unhas, tanto quanto berrava o nome do ídolo querido. Os  dois técnicos à beira do gramado davam orientações táticas gesticulando, além de perturbar o Bandeirinha quando das marcações. Logo aos cinco minutos uma bola na trave adversária acendeu a equipe da casa. E após muita pressão junto à grande área, perto dos vinte e três da etapa complementar, batendo falta precisa na forquilha (lá onde a coruja dorme), o Lateral-direito empatou o dérbi interiorano. Tomado pela emoção o andarilho milenar vibrou com o gol. Tanto tempo sem ir ao estádio, ele esquecera quanto surpreendente poderia ser uma partida de futebol... Alguns torcedores, de ambos os lados, estranharam tal atitude infiel. O camarada devia estar maluco! Que camisa veste, qual time torce?
Alguns impedimentos, o "Uh!" de frustração dos torcedores pelo quase gol, lances perdidos pra virar a partida, chutes pela linha de fundo... E o jogo terminou empatado. Radiante o 'Homem de Dez Mil Anos' comemorava. Um torcedor não se conteve, exigiu explicações. Aquilo era "virar casaca" demais, sendo que ninguém ganhara.
- Como não! - Respondeu ele. - Fico feliz porque não havendo vencedor, nem vencido podemos todos festejar duplamente.

HORROR NA PEQUENA VILA =====

Desde as primeiras horas da manhã, um vento incessante que esquiva invisível entre os prédios adentrava a pequena vila residencial, varrendo as calçadas sem sapatos, o calçamento de pedras das ruas. Agitava-se, espargia umas folhas mortas de árvores, corria rasteiro e rodopiava em redemoinhos numa esquina. Plaquetas de comércio dependuradas rangiam sacudidas pelo vento... Embora a luz do sol dourasse os paralelepípedos, o calor se dissipava soprado pela ventarola. Casas de janelas cerradas, outras o agitar de cortinas. Varais e suas peças de roupas dependuradas, feito partes de corpos balançantes em sacadas. Só a presença do envolto ar movediço...
O seu penteado não resistira aquela agitação toda. Iria apresentar-se às pessoas como um espantalho. Vivia ao tempero dos hormônios. Seus seios oprimidos pelo sutiã sob a camisa social de mangas arregaçadas. As ancas justas dentro da calça. Não que fosse feia propriamente, pouco despertasse o interesse verdadeiro dos homens. As faces róseas salpicadas de sardas graciosas.
A semana praticamente passara e fizera poucas vendas, pretendia melhorar a comissão. Ler educa reconheciam alguns clientes endinheirados, mas não tinham apego. Quando muito queriam o espaço vago da estante preenchido. Não era especialista em livros, vendia aqueles demonstrados no catálogo da editora. Nem poderia se considerar uma leitora, aceitou o trabalho dada a necessidade. Gostava de folhear revistas de fofocas sobre famosos, idílicos romances de Bárbara Cartland antes de dormir...
Duma janela alguém a viu parar à beira da sarjeta. Mirou o quarteirão avaliando as residências. Qual favorece-lhe fazer dinheiro? Motivar o otimismo de dias melhores... Diante dela em tons claros de marrons um chalé, ajardinado à frente tinha a fonte do chafariz seca. Um anão de jardim sorria, o sapo de pedra aguardava a água. À direita da mureta provida ao longo do quintal de ornamentos em ferro, o portão da garagem cujo vitrô na lateral deixava ver um Corcel azul metálico estacionado. O férreo portão estilizado não oferecia resistência maior... Nenhum cão de guarda surpreso apareceu latindo. Bastava seguir o caminho de lajotões avermelhados até a porta de entrada, sob um alpendre longitudinal que servia para receber visitas... Tomou fôlego. Não descarte a oportunidade! Cada porta reserva-lhe uma surpresa. Pressionou o botão da campainha ding-dong, logo abaixo do número 696... Parecia demorar... Ninguém em casa. Devia tocar de novo?... Um indivíduo abriu a portinhola diminuta deixando-se notar. Então informou ser vendedora de livros. Talvez não tivesse interesse no momento, muitas contas a pagar, resmungou a voz.
- Veja... - Insistiu abrindo o catálogo. - Temos coleções ótimas. Nós também dividimos em parcelas o pagamento.
O homem saiu um pouco. Tinha média estatura, aparentava meia-idade e mantinha o porte físico. Ela mostrou uma credencial com seu nome, emendou falar da qualidade das edições. Mas o vento ainda insistia inconveniente importunar as coisas... Dissera um nome, mas este escapou-lhe aos ouvidos. Não tinha feições rudes por trás dos emoldurados óculos pretos, respondia com voz branda, gestos comedidos. Sugeriu que entrassem para melhor conversar...
- Tenho mesmo uma biblioteca básica aqui, com coisas de meu interesse. - Apontou uma coleção de livros suspensa na parede. Observadora pôde notar duas enciclopédias de cores distintas, grossos tomos, livros de capa dura esverdeados, em tons de vinho, sobre anatomia, exoterismo, medicina, trabalhos manuais,  perfilados e sobrepostos, títulos em letras douradas, com autores que ela desconhecia. Leu de relance: Sêneca, Marquês de Sade (decerto conta algo sobre a nobreza), Crowley. - ...Inclusive esta indispensável Bíblia Sagrada. - A qual o homem reverenciou com gesto respeitoso apertando contra o peito. - ...Tive uma severa criação religiosa de minha mãe, entende. Eu mal podia brincar do lado de fora. Venha... - Convidou-a sentar-se no sofá, entre ambos um móvel de centro, onde colocou a sacola que trazia a tiracolo com o mostruário de algumas coleções. A princípio ficou receosa entrara sozinha na casa de um desconhecido. Reparou dependurados num mancebo, bolsa e chapéu feminino.
- O senhor tem esposa?...
- Você perguntou por causa dos acessórios de mulher ali... São de minha irmã. Daqui a pouco ela chega.
- Talvez eu pudesse indicar nosso livro de receitas culinárias ou jardinagem.
- Fique tranquila, já recebi outras vezes revendedoras de cosméticos, vendedores de planos de seguros, enfim... - Uma janela batia incomodamente. - Se importa deu fechá-la? - A moça assentiu. - O dia está bastante incomum...
- Creio que nossa coleção de Mestres da Pintura vai agradar o senhor. As reproduções estão perfeitas, o tipo de papel especial, formato horizontal da edição... - Estendeu-lhe o livro. Fez assim sua primeira cartada para a venda.
Examinou com cuidado a capa firme. Deteve-se ante o frontispício luxuosamente ornamentado.
- Aceita beber algo? - Perguntou de repente.
- Não sei...
- Você está com pressa?...
- Escolha à vontade, por favor.
- Vou trazer suco para nós dois. - Saiu. Olhou ela em volta o ambiente. Calmaria estranha. Não estava sujo, impressiona o aspecto lúgubre da casa, como se vivesse nas sombras. Não quis parecer indelicada e recusar a bebida, ouvira histórias escabrosas. Sentiu-se arrependida em aceitar... Da cozinha o indivíduo procura manter certa interlocução. Voltou a citar a irmã pela demora, acompanhado dos sons de armário sendo aberto, porta de geladeira, puxar de gavetas, vidro retinindo de copos e jarra. Enquanto encetava conversa, algo dentro dele conspira. Mais fácil que atrair prostitutas, era um passarinho distraído que caía numa arapuca, não convinha assustá-la... Embora pudesse deixá-la ir antes que desconfie... Ou quem sabe ter uma namorada. Trocar confidências, que essa fosse mais compreensiva. Mulheres eram o seu problema!... Fez parecer tudo muito natural. Sorrateiro pegou um frasco diminuto escondido numa gaveta, esguichou uma solução de sonífero no copo que seria dela. Preferia atordoar a vítima a dar-lhe um murro para desmaiar. Arrumou a bandeja e retornou à sala.
- Aqui está!... Nem demorei. Trouxe o açucareiro para você mesma adoçar o seu. - Daí primeiro colherou açúcar para si e bebeu. Ansiosa logo o acompanharia com goles esparsos, um tanto a contra-gosto dissimulado.
- Pode ver, são comentadas por especialistas...
O livro apoiado assim nos joelhos folheava as reproduções de pinturas famosas: Hugo van der Goes, Caravaggio, Hieronymus Bosch, cenários delirantes em sua imaginação. Um ser cruel dentro dele escondia-se: "Ela tem que morrer!", algo insistia nele. Levantou os olhos das figuras em direção à vendedora irrequieta.
- Bem,  agora só falam que a computação vai permitir armazenar livros inteiros para consulta. Nisso que chamam de web, quadros  em imagens virtuais... Sabe, eu trabalho na limpeza pública. Já fui coletor, agora dirijo o caminhão do lixo. Não recebo muito... Daqui algumas horas inicia meu turno... Você está sentindo alguma coisa?
Ainda que forçasse a atenção, não conseguia permanecer desperta. A cada piscada de olhos mergulhava num sono irresistível. Ergueu-se e intentou dois passos cambaleantes...
- Oh, meu Deus!... - Enregelou-se o corpo até o sono profundo.
- Eu cuido de você.
Ao recobrar os sentidos descerrou as pálpebras pesadas. Achou ocorrer outras vezes. Como se visse em flashes de imagens distorcidas. Havia gritos incompreensíveis. Aquele vulto obsessor. Pareceu que sonhara com o estranho voraz a possuí-la... (!?) Quis se levantar, mas dada a dificuldade percebeu ter sido presa sobre uma bancada. Um conjunto de algemas num dos pulsos e tornozelo, as palmas das mãos atada com grudenta fita adesiva... Estava fraca. Tinha a boca ferida duma mordaça. Reparou estar despida, o corpo coberto de hematomas, lanhos de chicote, a pélvis dolorida... Constatou tendo o olhar aterrorizado, as partes íntimas pegajosas de sêmen e sangue. Derribado no tampo um rijo strap-on, junto duma taça de drink... Soltou um grito sufocado e esperneou a atingir os odiados objetos que caíram ao chão.
- ...Seja bem comportada, entendeu! - Retornou apressado ao porão. Olhava-o espantada vestido num robe. Oprimiu-a com um tapa e injetou entre a boca cerrada a solução sonífera numa seringa, obrigando engolir. Vencida não conseguia forças, sem manter a consciência.
Abaixo da bancada havia um bojudo frasco cheio de sangue, pois a moça já doara milagrosos dois litros, com o qual preparava estonteantes bloody maries. Dispunha desses apetrechos medonhos aprendidos, alguns feitos a partir dos livros.
Não imobilizava sua vítima totalmente sentia prazer em observá-la resistir, dominar sua contrariedade, as súplicas chorosas, o grito de dor parado no ar que logo desaba. Permitia-lhe movimentá-la, tanto como usurpar o corpo. Despiu a vestimenta e bebia o drink pronto. Tocou-a alisando rude a carne doída, que ainda reagiu com repugnância. Apreciava o cheiro da pele, seu calor latente, o sabor da transpiração, o tremor dos músculos tesos, experimentar sua consistência à mordidas.
- Você quer que eu faça seus gostos... - Repetia delirante entorpecido pela sonoridade dos gemidos aviltados, a canibalizar aquelas tetas desejáveis, mastigar o tufo relvado dos pêlos pubianos. Abriu-lhe a vulva movimentando a sebosa língua serpentina, sorveu guloso a escancarar os sanguinolentos lábios vaginais. Aparta abrindo as coxas como querer entrar de volta ao útero.
Seu pinto cresceu o mais que podia, não era assim tão bem dotado, os testículos dependurados no escroto flácido. Queria entrar dentro por todos os orifícios atingindo sua alma. Trepou na bancada de sevícias, apavorada fez encolher-se soluçante, o tampo tingido do mosaico de nódoas, insistiu se debater débil. Puxou-a decidido por trás, que esboçava alguma reação, o rosto colado à superfície nojenta. Afasta as carnudas nádegas e penetra-lhe firme no ânus róseo, nisso estocava sadicamente a firme virilha.
- É grande o suficiente, hein!... - O corpo da vítima inerte recebia as ondas de choque, o estalar da bunda, subjugando às rédeas de seus cabelos, que sacudia-lhe o torso, o seio penso. Isso apressava a respiração dele, os batimentos cardiácos, emitia uivos guturais... Então explode numa ejaculação intensa de esperma misturado às fezes.
...Insistentes batidas na face fizeram-na despertar assustadiça, o corpo débil. Bruto batia-lhe no rosto empunhando o avantajado strap-on. Embebeu-o no cálice de bloody mary, esfregava em sua boca violácea, agora sem mordaça, cutucando os mamilos arroxeados, a ameaçar o ventre dela. Por trás dele assombrou-lhe um manequim trajado num velho vestido e tinha um crânio humano fixado ao pescoço.
- Conheça a minha mãe... - Ficara com a cabeça descarnada pelos vermes após a exumação. - Hoje acordou indisposta... Repete os mesmos insultos... A senhora fala demais! Qualquer dia desses, eu a deixo sozinha... - A Retrucar um suposto diálogo mórbido entre o títere da matriarca falecida. - Você é minha mãe, sabia?... Eu saí dessa buceta!
Duma caixola com manivela, aprisilhou nos bicos dos seios machucados, dois fios elétricos. A cada girada do mecanismo, o corpo se contorcia em espasmos repetidas vezes, até que a uretra expelisse a urina quente, ao que bebeu regozijante. Tomou do enorme caralho artificial e introduziu abruptamente naquela vagina eriçada de pêlos.
- Este te faz gozar, vadia?... - Metendo e tirando com violência.
...O corpo inerme entrara em colapso. Num período intermitente extraíra quase quatro litros de precioso sangue. A vítima tinha as carnes frias. Quase cirurgicamente com um afiadíssimo cutelo decepou-lhe a cabeça, detendo o estrebuchar do corpo em choque. Desfez a mordaça, e entre os lábios lúbricos de sangue, o olhar da jovem num último reflexo de espanto, enfiou o pênis duro goela abaixo, enquanto segurava os cabelos desgrenhados, forçando o sexo oral...
Sem que se percebesse tudo aquietou alheio à providência divina. Oportunidade usada para esquartejar o cadáver, enterrar membros e outros pedaços, oferecer as vísceras aos caymans famintos num rio lodoso atrás do cemitério da cidade. Agora tudo parecia sóbrio ao se avistar o casario debaixo do céu... Ficaria um filho órfão à espera infindável numa creche. A vida naquela expectativa de que algo acontecesse.   

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

URBANOS GIRASSÓIS ========


                      Uns girassóis no canteiro da avenida
                     Incongruentes dourados na paisagem urbana,
                     Semeadura de beleza em meio às pedras.
                     Tuas pétalas tingidas de poluição,
                     Exalas inconcreto perfume...
                     Ramalhete de um amor impossível.
                     Ao sabor da aragem dos automóveis velozes,
                     Sob a chuva melancólica desses dias.

                     Emolduram a miséria dos desvalidos
                     Viventes do lixo.
                     Logo ali, uma velha que acompanha sua solidão.
                     À meia-noite outra ronda desconfiada dos policiais,
                     A fina flor dos malandros, herdeiros pixotes
                     Habitantes das sombras.
                     Na esquina despetalar-se a dama da noite,
                     Tudo em vão...

                     Urbanos girassóis a enfeitar
                     A fealdade do mundo.