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terça-feira, 2 de maio de 2023

EPÍLOGO MAÇOM ===========

Os raios de sol espargiam envolvendo o quarto por entre a névoa olorosa de mirra e kuphi... Contidos soluços reverberavam no ambiente. Eram as lágrimas de prata da viúva lamentosa, seus arrimos desorientados à sua cabeceira, enquanto ele de olhos arrebatados no inefável inutilmente aguardava socorro.
Nos arredores da clínica ouviu-se o canto longínquo de um galo. O dia encimava na abóbada aclarando sua consciência.
"Deus, meu bem e direito..." - Mais em sua mente que nos lábios repercutia o dístico de um emblema da magna ordem que lhe cimentara a trajetória.
Sabia estar conectado a uma série de aparelhos. Eletrodos ligados ao peito desnudo do lado esquerdo, monitorando seu coração.
O soro gotejava um orvalho pálido... Estranhou que não movimentasse as pernas, apenas o pensamento gravitando no coma. Privado delas como poderia transitar por si mesmo com liberdade? De que valeria inválido, sem poder marchar para transpor o pórtico glorioso do progresso?
"Que valor tem um corpo incompleto, sem os pés?... As passadas incertas." - Ouviu rumores dos que saíam, seguido do arrastar de solas de sapatos. Por qual razão fechavam a porta? Colocaram-no a sós no quarto com suas reflexões. Numa árdua jornada nas profundezas de si mesmo. Deixaram-no batendo à porta da consciência pancadas desordenadas de desespero...
Embora Deus pertencesse a todos tinha seus escolhidos. E da pedra bruta ele se fez. Tosca matéria polida. Peleja da vontade sobre o desejo, pois a semente germina da terra por seu próprio esforço para renascer. Ainda que fosse semeada em solo estéril fincou raiz na rocha e deu frutos.
- Só não é escravo, quem é Senhor! - Para isso teria que estar acima, exercendo o poder. Semelhantes máximas abalavam as fraternidades. Jamais se prostrou a quem quer que fosse. Venerável Senhor do esquadro, compasso e prumo construiu dadivosa fortuna. Invejável cidadão fez correr seu prestígio em redor.
- O querer para si não é o querer para outros... - Sentenciava aos irmãos. Prevaleceu sobre servos e capatazes para se tornar obreiro da verdade... Haverá de almejar a pureza aquilo que é impuro?
Contra seus adversários empunhou o bastão e a espada. A mesma que teve apoiada em seu coração temerário, aguilhão da própria consciência. Foi terrível para os opositores submetendo-os debaixo dos pés. Fez pairar sobre suas cabeças o anátema dos seus propósitos. Imponente como um leão na selva citadina, girando a engrenagem perversa da sociedade.
Assim foi legislador absoluto. Dispensando júbilos ou trevas a si próprio, considerando-se o decretador de suas recompensas e castigos. Seguiu na seara contrária do mundo virado às avessas, edificando templos aos vícios e cavou neles orgulho e ostentação. Emporcalhadas tinha as mãos por terríveis decretos.
Sobremaneira era capaz de vis convencimentos e persuasão. Descobriu que lutar pela boa ou má causa segura era a vitória, desde que desfechasse o derradeiro golpe e neutralizasse o revide. Acobertava seus crimes contra ilustres com razões políticas e passionais. Conforme os deveres para consigo, segundo os excelsos ensinamentos. Sim, sob o golpe aprovador do malhete dos Arquitetos de Hiram, enquanto lhes convinha e alegravam-se. Pois, nenhum báculo opôs entre as serpentes para apaziguá-las de suas contendas. Rompendo o elo da união do tríplice abraço.
Artífice de leviana caridade nas colunas sociais permitiu-se macular pelas nódoas da vaidade tola. Pendeu-se-lhe o vértice da estrela flamígera na alfaia. Fizeram-no ver o cálice transbordante na mensura do mal. Abateu-se sobre ele os tempos catastróficos do mundo profano. Escarneceram os inlutos do destruidor. Tornou-se da ensinança o próprio símbolo...
"Por que me tiram a venda dos olhos?..." - Desvaneceu-se as aparências. Por baixo da pele do rosto vicejava sua caveira descarnada. O espírito onde hospedara-se a doença. Certeza do seu epílogo não muito além. Resto do que é ser uma criatura humana, o esqueleto de cujo corpo a alma inquilina anseia exalar o derradeiro suspiro.
Agora que sua mente tudo testificara, a ampulheta extravasa os últimos grãos. Rompeu-se a fronteira do recinto que lhe acolhia dos perdidos. Que façam a abóboda de aço com as espadas antes de cerrar-se o tampo da esquife. Redimido estava do infortúnio. Não do caruncho do esquecimento, merecido salário.
O opúsculo traz o fétido perfume do definhar da florescência moral. Talvez lhe presenteiem com ramos de acácia... Este dia perdeu-se para ele.
"O berço e a sepultura são, pois, teus limites... Faz o teu testamento e despede-te do mundo dos vivos!" - Parecia uma voz segredar-lhe aos ouvidos a sentença funérea.
Entretanto, tudo isso morre em sagrado sigilo consigo. Donde escapam palavras...
- Gememos! Gememos... Gememos!

                                                                      Maio/2006...