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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

O 'HOMEM DE DEZ MIL ANOS' # 3



Passava o 'Homem de Dez Mil Anos' ao largo de um vinhedo. A terra fértil a reafirmar a permanência humana na certeza do seu ideário.
"Pode o homem temer o inverno por suas dificuldades. Mas virá a primavera, renovação da vida e no plantio da luz do verão que se germina a esperança do renascimento outonal."
Atraído pelo aroma e a visão exuberante das videiras sentiu desejo de comer algumas uvas.
Pendurada numa cerca de arame farpado havia uma placa que indicava acesso restrito: "Propriedade Particular"... Mais adiante deparou com um senhor que vendia cachos maduros a um preço exorbitante.
- Como queres que eu coma dessas uvas, se cobras tão caro?
- Se queres comer, entra. Trabalha e darei justo quinhão para teu regalo.
- E somente assim?...
- Para que o vinhedo chegasse a produzir, investi dinheiro que tomei ao banco. Contratei pessoas que lavraram a terra... Queres de graça?
- Oh, sim... Comércio. Uma tapeação mútua entre banqueiros, mercadores, agricultores, no salve-se quem puder.
- São as regras...
- Reputas a tua inteligência, aquilo que faz parte da tua insensatez.
- É o preço da vida.
- Toda essa orquestração econômica visa apenas auxiliar a classe rica nos seus apuros financeiros.
- Se quiser as uvas é só pagar.
- Dizes ser justo, e toma por teu o que pertence a todos. Usas da natureza, de onde tira riquezas, como propriedade privada. Contudo, para aqueles que tem fome não os pode saciar.
- Mas se foi dada a mim, pertence-me!
- Por quais distinções a natureza deu título de posse aquele, e não a outro indivíduo?
- Está sem dinheiro?... Então pare com essa amolação.
- Nem tudo silencia como a videira que vives a podar. Deixe... Mas não é por desdém, acaso estivessem verdes. Não farei como a raposa que tendo fugido extraviou-se de volta para a jaula ao abocanhar o engodo. E nós sabemos como é difícil escapar.
Nisso tomou outro rumo e tendo se distraído o comerciante, o 'Homem de Dez Mil Anos' trepou num mourão de cerca, daí colheu alguns cachos que pendiam fora dela.
- A rama poderia estar dentro, entretanto o cacho está fora... - Murmurou entredentes, enquanto a fruta sumarenta rompia-se em sua boca.