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sexta-feira, 17 de julho de 2020

ALGEMAS DE AMOR ==========

Ocorreu que um casal de ladrões foi pego furtando num desses magazines populares. De olho, o circuito de câmeras "dedo-duro" flagrou o delito a dois. 
A ladrona era bem esbelta, mas ganhara tronco e bunda vestindo algumas blusas, mais calcinhas, umas sobre as outras em disfarçadas idas e vindas ao trocador. Obstinada frente dum espelho com o jeito do cabelo em parafusos, tingido de loiro artificial. Enquanto o meliante mancomunado, entre distinto e gatuno, dava cobertura vigiando as vendedoras da loja, também exibia a morenice de seu charme...
Presos às algemas, ambos se acusavam na ante-sala da delegacia, a purgar as culpas um do outro. Brigaram diante da autoridade policial, durante o interrogatório no qual se fazia a acareação.
- Pera lá!... Então vocês são casados? - Inquiriu o Delegado de plantão, bigode espesso rigorosamente aparado. Camisa de compridas mangas abotoadas, uma séria gravata monocromática azul-anil, ostentando grossa aliança de casamento.
- Amasiado, Doutô... Nem tem cinco anos ainda.
- ...Quem casa devia honrar as calças que veste.
Tinha mais, havia denúncia do modo operandis da dupla de amantes larápios. Seduziam jovens solteiros, descasados em busca de aventura, incautos aposentados e depois assaltavam.
- A moça que é a Cinderela? Ou seria manequim de passarela? - Estendeu-lhe as provas já despidas.
- Eu... Imagina, Senhor... - E riu. A amarfanhar o cabelo aparafusado.
- Marluze Inocêncio Nobre. - Soletra o "Delega". Um velhote dera queixa quando depenado num hotel decadente, lá no centro da cidade. Todos bêbados, quem conseguiria provar o golpe... Porém, neste deram mancada.
- Ela falô que tava precisando dumas calcinhas, saia, blusa... Né, chefia.
- Mulher tem necessidade, meu filho!
- Jesus Cristo é testemunha... Eu disse, vamô fazê o crediário certinho...
- Com teu dinheiro, Vandelton?... Cafetão de puta pobre!
- Tu tá me confundindo, cachorra?... Fecha essa matraca.
- Dou nome aos bois, sim.
- Fica me entregando... Bandido não tem nome, é apelido. - Retrucou o tal. Logo o Doutor apontaria cada caput. Assinara um artigo 35 do código penal, por associação ao tráfico. Seguido do artigo 171, acusado de estelionato. Mais outro artigo 155, devido a furto de veículo. 
- Senhor, esse aí é só falsidade!... - Marluze por um instante esboçou chorar. O peito ferido de amor matado. Alma gêmea apunhalada... A paixão incendiou seus corações numa quermesse na comunidade. Dali dois anos sem cerimônia, panos juntados. Enlace interrompido da vez que ele puxa uma cana-dura... Esqueceram facilmente as pipadas de crack, os goles de vinho batizado, ouvindo cd com canções do Fábio Jr., prazeres no cafofo de madeira à margem dos trilhos da ferrovia, naquela vida sem rumo. Tonta, fizera desabar um barraco da amante piriguete dada sua paixão incondicional...
- ...Eu tava lá a contra gosto.
- Jura!... Contra gosto sou eu abrir as pernas pra tu... Baita mixaria!
- Epa!... Isso aqui não é a vara da família, hein. Presta atenção, cacete! - Interveio a autoridade presente, largando o café puro que bebia.
- Mentiroso!... - Quis acertá-lo.
- Vai revelá desse jeito nossas intimidades?... As celas tem escuta - Disse diminuído no seu ego. - Ô, camarada... Não escreve isso aí, não! - Suplicou ao escrivão discreto num canto do gabinete.
Tudo porque, acredite (nas entrelinhas), ela era réu primário, aliás safava-se em toda fita deles. Assim, o vagabundo não queria ver alongada a "capivara" de crimes.
- Doutô, essa mulher... - Esforçou-se para achar a palavra furtiva. - Ela é... Cleptomaníaca! - Acusou o dito entendedor de psicologia.
- Não minta deste jeito... - O coração dela que sofria um trauma.
- Rouba tudo que vê... É uma coisa!
- Não estrague a minha vida... Nem acabe com a minha paz. - Queixou-se a ladra. Daí ensaiou certo mal-estar e deram-lhe um descartável copo d'água.  
- Foi ela quem me incitô, Doutô...
- Tu me enganou...
- Pode vê, Chefia... Eu nem tô cum nada em cima.
- Pô, figura!... - O Delegado encarou o ladino. - Vocês estavam no setor de moda feminina... O malandragem não ia querer uma sainha... - Então demonstrou sua perspicácia policial.
O sistema criminal idem levantou um assassinato cometido pelo vulgo. Faltando responder.
- ...O cara se engraçou cá minha mulher!
- Um crime passional...
- Legítima defesa, Doutô.
- Com duas facadas nas costas do morto?
- Nóis se embolô, a lâmina caiu... Ele vacilô e correu. Ali na forte emoção defendi minha honra. - Nisso ela se manteve calada. Não quis parecer cúmplice daquele desatino amoroso, preservando sua inocência infiel. Contudo, talvez, lá no fundo, o pilantra lhe tivesse algum apreço.
- Meu arrependimento foi não ter voltado, pra ficar com essa aí. - Parecia sincero.
- ...Depois disso, não amo mais. De jeito nenhum!
- Eu é que não acredito em tu.
- Você que me tirou do caminho, eu era mulher direita...
- Aí... Já tá mentindo, porque tu é canhota.
- Confiei nele, Senhor, deu nisso...
- Pois vou autuar os pombinhos... Inclusive, o Vandelton, segundo estes documentos que estão sendo apurados... - Mexia uns papéis distribuídos pelo tampo da mesa. - Ainda deve à Lei... Os dois pra gaiola! - Liberdade agora, seria aquela imensa estátua distante, na entrada da Baía de Manhattan, que ele assistiu em um filme de televisão. Tal como veria os dias na telinha da cadeia...
Foragido o bandido pródigo não tinha mais indulto. Perdera o endereço do presídio, num feriado do dias das mães. E quem sabe, Marluze se torne uma moça bem-comportada.