# BLOG LITERÁRIO # POEMAS - CONTOS - CRÔNICAS #

terça-feira, 3 de abril de 2012

O BEM-AVENTURADO ========

Situação difícil!... Vinha manco pela rua, o chapéu inclinado na testa, cobrindo a aparência. Tudo quanto fez de esforços dera em nada, depois de ter perdido seu ganha-pão como camelô. Há semanas vivia ao relento sem sombra, nem residência, uns poucos pertences dilapidados.
O dono do cortiço onde morou não quis nem tomar conhecimento. Cada inquilino ali tinha sempre uma desculpa pronta, um tenha piedade pelo infortúnio, reclamava o proprietário. Se amolecesse o coração quem viveria na dureza seria o próprio.
- ...Ajudo a quem me ajuda. Se faço e você não retribui, fico eu no prejuízo. - Repercutia a voz dele em seus pensamentos, o quanto o homem se esforçava por parecer justo. - Também devo contas. Não posso contar com o "Deus lhe pague"... - Despejara uma família tendo duas crianças pequenas, não deixaria de fazer o mesmo consigo. Findo o prazo abertas estavam as portas da amargura.
Lembrou-se indubitavelmente do avô, ainda vivo em remotas recordações, costumava ilustrar os acontecimentos da vida por intermédio de sua filosofia proverbial.
- Nessa terra, rapaz... Cada um puxa a brasa pra sua sardinha. - Referindo-se ao egoísmo das pessoas abastadas. - Isso quando tem peixe no braseiro! Senão, cada qual pega dum lado da sardinha e quem fica com a espinha é o pobre... - Pilheriava o ancião... Viu-se transportado à mocidade na companhia do avô, sob a proteção da ignorância daqueles idos. - Rico quando morre a gente lamenta. Agora, o pobre nóis diz que partiu dessa pra milhor. Mode que se livrou das dívidas, de muito passar necessidade. - E ria sem maior rancor.
Essas vozes e visagens advinham do jejum... Tinha vergonha de si mesmo ao sabor da desgraça. Pedir esmolas seria seu último recurso, apesar do estômago reclamar oco de fome. Lá no íntimo relutava, não parecia nenhuma criança carente... Era somente sentar e estender a mão. Ouvira falar de mendigos que simulavam feridas nas pernas utilizando carne podre e toda sorte de artimanhas.
Dobrou uma esquina resistindo ao desequilíbrio da muleta, quando teve um mal-súbito e caiu desmaiado no alpendre duma portada.
Dali 2 horas recobrou os sentidos... Seu chapéu caíra, o borco pra cima. Dentro da copa dinheiro que os passantes haviam depositado em nome da caridade, pelo menos aquele dia.

Nenhum comentário: