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quarta-feira, 2 de abril de 2014

O MOTORISTA DO FUSCÃO PRETO =====

Aquele blecaute já durava mais de horas. Noite adentro a cidade anda às escuras, semáforos cegos, olhos-de-gatos furtivos acendiam na escuridão.
Um estranho dirige seu Volkswagen Fusca preto premeditando no breu das ruas. Numa e outra esquina, o halo vermelho dos giroflexes das viaturas policiais tingiam a figura sombria dos transeuntes. Pela extensão vaga da avenida o farol rasga a paisagem noturna...
Quem é ele? Um anônimo. Embora retraído até casou-se. Malogrado, pois era dado a poucos afetos. Agora vive terrivelmente solitário. O vulto no esquecimento urbano.
Há muito povoava seus pensamentos cometer um assassinato. Alguém desconhecido. Talvez, um desses maltrapilhos inúteis. Somente para vê-lo morrer.
- A quem esse trapo poderia fazer falta?... Estão sempre a espantar as pessoas. O infeliz mesmo deixou claro sua não serventia ao mundo. - Conversa com o reflexo no retrovisor do carro.
Já tomou sua decisão... Lateja-lhe o sangue nas têmporas. A transpiração escorre sob o terno que veste. Optou pela esganadura, eficiente, silenciosa... Bêbado e debilitado não teria o farrapo humano forças para resistir. Esse homem age por compulsão incontrolável. Tomado dum instinto predatório. Está disposto a descer ao esgoto do seu íntimo para saciar suas perversas vontades. Queria ouvir o coração batendo desesperado por vida, um último suspiro. Conter o derradeiro esforço daquele corpo... Igual quando moço afogava filhotes de bichanos no lodo dos charcos.
Nessa mesma madrugada deserta esgueira-se sob a luz da lua, sorrateiro pelas sombras... Empunha uma gravata tesa entre suas mãos. Mais adiante um mendigo dorme sozinho, presa de seus próprios sonhos de fartura.
Enquanto apertava, o sujeito se perdeu nas órbitas interrogativas daqueles olhos esbugalhados. Suas narinas queimam com o cheiro acre intenso de suor curtido... E ao largá-lo inerte, vem uma súbita náusea a revirar-lhe as tripas.
Por fim recuperou-se... A sensação é prazerosa, endireita a imagem no espelho retrovisor. Nosso predador promete a si mesmo caçar por aí, nas trevas da cidade outras vezes mais.   

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