# BLOG LITERÁRIO # POEMAS - CONTOS - CRÔNICAS #

domingo, 24 de outubro de 2010

MUSA DOS ECOLOGISTAS =====

Ninguém levava-lhe a sério. Caçoavam dela o tempo inteiro. Qualquer idéia sua logo diziam ser pura esquisitice. Desde menina entretinha-se horas espiando a carreira de formigas a subir um tronco de árvore, ou salteando o açucareiro esquecido na mesa. Morria de pena dos ratos ao ouvir o estralo da ratoeira armada no porão pelo avô. Amava mais os bichos do que aos viventes sabidos.
Quando soube que haveria na praça um show de rock em defesa dos manguezais teve outro daqueles estalos. Ela mesma apreciava uma suculenta caranguejada. Preservar pra ter garantia de comer no futuro sua iguaria predileta, foi o que lhe veio à cachola. Arrumou um vestido de estampa indiana. Fez umas tranças nos cabelos grisalhos e pôs uns óculos-escuros... Escolheram-na musa do evento.
- Que maluquice era aquela, tia!? Depois dos 50 resolveu ser hippie? - Ralhou no café da manhã o sobrinho, único parente que restara de toda família, ameaçando colocá-la num asilo. Aborrecida com aquilo saiu a esmo alvorotada...
A cidadezinha progredia tomada pelos pombais-humanos de concreto armado. Enfeitavam-se de luminosos radiantes, vitrines nas quais se vende ao mais sortido gosto. As ruas que andara descalça quando criança foram cobertas de piche.
Naquele terreno descampado onde armavam o circo na sua adolescência, ali construíram um imponente magazine. Nada mais havia dela antes e da antiga cidade, além da memória débil a cada ano. Punham placas nos cruzamentos pra onde ir. Mas, que sentido tinha? Os carros matavam os jardins, nesse inverno a bronquite não dera-lhe trégua...
No ar a poeira asfixiante, aquele reclamar irritado das buzinas. Que falassem!!... Plantada no canteiro árido da avenida principal, segurando um galho vistoso de ipê amarelo ela ornava o dia cinzento.

Nenhum comentário: