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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

PRIMAVIRIL ==============


                      São buquês de sutis incensos
                      A se erguer na brisa,
                      Transbordante bálsamo silvestre.
                      Cópulas de insetos deitados sob o sol morno
                      Acariciantes nos falos-estames,
                      Lambetidos no gozo-polém...

                      Oh, doce promiscuidade!!
                      Da qual a flor
                      Do fruto engravida.
                      Que o útero fecundo da terra espera.
                      
                      Assim se engalana a deusa Gaia,
                      Formosa de delicadas prendas.
                      Desde a florescência da erva-daninha
                      À flor mais bela,
                      Parindo do seu ventre
                      A semente de uma nova era.

                      Sempre efêmera... Senão, eterna!
                      Nesta estranha certeza 
                      Colhida à cada primavera. 
                                  

OCIMAR AFANEU, pede seu voto =====

Desde os tempos estudantis almejava a carreira política. Eterno postulante à eleições, quaisquer que fossem: dirigente esportivo, síndico, diretor da mais variada etcetera. Ocimar Afaneu valia-se de máximas que justificassem tal obstinação, como aquela de que o Homem é um ser político por excelência. E as fazia com a retórica típica dos candidatos. Utilizando o que melhor lhe conviesse, contanto que saísse prestigiado.
Mil dificuldades na escalada do poder. Verba restrita vivia apurado, o marcador do tanque de combustível arriado na reserva. Assíduo frequentador de vernissagens, não por apreciar Arte, esta era uma maneira de dar fim ao regime forçado no vai e vem dos comes e bebes. Talvez um golpe de sorte fizesse dele Secretário de Cultura. Senão fosse a santa mãezinha! Refúgio e fiadora de suas necessidades...
- Menino...! Quer me levar à falência? Deste jeito você lasca mamãe! - Ralhava ela, usando de sua rispidez complacente.
- Em breve, mãinha será a Primeira-Dama. - Há coisa mais gratuita quanto falsas promessas?... Ocimar Afaneu conhecia o coração de ouro da mãe. A velhinha fazia votos de que ele se desse bem logo. Parasse com os empréstimos à minguada pensão dela, dívida essa que nunca teria coragem em cobrar.
De certa forma a dureza virou marketing dos detratores. Como a corruptela envolvendo o seu bom nome:
- Chiii! Lá vem "Ocimarcar Afanoeu".
Julgava a miopia congênita causa de suas chances frustradas. À distância mal conseguia distinguir o eleitor. Privando-o quase sempre de cumprimentos e acenos. Aquele corpo-a-corpo básico, arma fundamental no assédio político. Mas, coeficiente eleitoral no final das contas era o engasgo da boca de urna.
Gente... O pleito avizinha-se. Muitos baterão à sua porta feito mendigos a pedir nacos de pão. Nestas próximas eleições vote com solidariedade. Ocimar Afaneu carece  eleger-se urgentemente.



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

CIRCUNSTÂNCIA ===========

Por
Qualquer razão
Faz como bem entende.
Na tentativa idiota
De consertar
A paisagem
Do seu 
Universo peculiar.

Dispersa as estrelas,
No lugar pra nós dois
Põe uma pedra sobre
Sem muito cuidado.
Culpa meu jeito
Estúpido
Se a coisa assim está.
Menos pior,
Apesar desta montanha
Anexa
Que me deixa intranquilo.
No fim,
Tão rasgados elogios,
O amor
                                                                                    Acaba
                                                                                    Piorando o melhor!

PELO CELULAR... ==========

Fila de banco, divã vertical da gente simples. O sujeito atrás de mim puxou conversa. Ultra-conservador cochichava desconfiado seus pareceres sobre as mazelas do mundo. Se entendia justo,  imputando a justiça típica dos carrascos - como ser contra o aborto e a favor da pena de morte. Filósofo da existência alheia não havia estória sem que destrinchasse nos mínimos detalhes. Em suas frases sentenciosas requintes de extrema crueldade.
De repente toca o celular... Ele atende em altos brados, assumindo umas poses estranhas:
- Alô! O que foi desta vez, Amália? O mesmo conversê de antes... Como é!? Se eu tô sentado? - A fila ri daquela espontaneidade. - Estou no banco... Que banco de praça, o quê!? E eu tenho tempo pra isso. Fala logo duma vez,  Amália. Assim não dá! Fale agora ou se cale para sempre. Quer, por favor, ser rápida... Direta! - O camarada tinha estilo. - Sei... Quer dizer, nada sei ainda. É até melhor eu saber estando longe... Tá, tá! Que enrolação, Amália!! - Esbugalhou os olhos, experimentando o outro ouvido. - Não entendi direito... Não me diga uma coisa dessa! Posso até ter um troço. Você é peçonhenta, mulher! Denegrir sua única filha com semelhante lorota. Não pode ser a mesma... Repete de novo. - À essa altura os "caixas" mantinham os ouvidos atentos. - Grávida, mesmo!? Não é nada psicológico, nem sobrenatural... Mas, como?... Claro que eu sei, eles foram pra cama e... E... Argh! Deixemos os detalhes. - Ele cobre o bocal. - Justo a minha princesinha! Minha criança linda... Tanto sacrifício para vê-la arrastada por um Romeu barato. - Logo encontrou a quem condenar. - Embaixo do teu nariz, não é verdade? Debaixo da tua saía!! Você deveria ser a guardiã da moral desta casa e veja o que aconteceu. Eu me sinto traído por vocês duas... Vou castrar o filho da p*... que esculhambou a honra da minha família! Onde já se viu!? Cedo a mão da moça e esse pilantra me usa o corpo todo... Mulher, fala sem gaguejar... E agora o que as pessoas vão dizer? Somente a verdade. Que a filha saiu igual à laia da mãe... Não me vem com esta. Pára de soluçar! Deixa que eu... Droga! - A ligação caíra. Aflito mergulhou na porta giratória lançando-se ao estacionamento, na tentativa de recuperar o que a filha houvera perdido.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

APÓLICE =================


                          Tenho medo do lugar-comum:
                          Salário, feriado, cerveja...
                          Viver com risco calculado.
                          Vendendo-me em troca
                          De uma suposta tranquilidade
                          E assim me tornar respeitável,
                          Cidadão-modelo
                          Exceção e regra
                          Um desses infelizes em ascenção.
                                               
                          Esta incerteza de ficar
                          Porque todos invadem a condução
                          Sem destino (s)erto,
                          Fugindo da jaula
                          Direto pra armadilha. 

CERTEZA REMEDIADA =======

Há dias Dála gania lastimosa pelos cantos. A ferida no dorso do animal supurava um líquido fétido. Seu esbarrar impaciente contra as paredes dava mostras de querer fugir de um cerco imaginário...
O homem na poltrona nem consegue mais fixar a atenção no jornal. A sala imersa numa atmosfera de sonho, desses que se sonha desperto. Nas manchetes a espécie humana escrevia sua fantástica história, sem contar com os que ficam à margem do caminho... Dála, companheira de infortúnio, olhava-o como que indagando a razão de tais dores. Doía-lhe igualmente o maldito câncer na boca, sem deixá-lo pronunciar que fosse um queixume.
Os fins são todos iguais, compreendera. E nele conjeturava suas recordações: as paixões fugazes, os erros, no gosto amargo do tempo esquecido. Não havia modo de refazer, nem porquê. De tudo quanto juntamos, a vida é um punhado de dias...

A cadela retornara do cômodo e esboçou algum contentamento tardio. Quis encontrar vãs respostas naquele olhar  turvo, e nesse obscuro silêncio certo consentimento. Por que não findar com aquela agonia, abreviando a certeza remediada até então? É o medo aceso que nos faz vítimas dos nossos sofrimentos... Hesitante o homem foi à despensa, onde sabia ter guardado um frasco de veneno.