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sexta-feira, 4 de março de 2011

A FAMÍLIA ENLUTADA AGRADECE =====

Enlutada a família recebia contrita os pêsames. Quem supunha quão agonizante seria o suplício da velha matrona?... Era ela que zelava da educação dos netos e conduzia o destino dos casamentos das filhas. Sequer houve um pretendente que não tivesse passado pelo crivo dela.
- Larga mão... Isso aí é traste que não vale vintém! - Outras vezes repreendendo também o filho único pela escolha. - Tu se enrabichou dessa sirigaita, foi? - Não tolerava discórdias no seio familiar. Embora as arengas com o já falecido marido fossem resolvidas no tabefe.
No velório todos sentiam-se um tanto orfãos, mas daquela orfandade própria da autonomia. Cada condolência fazia confirmar a convicção de liberdade. Incumbidos do cerimonial os genros deixavam transparecer certa independência. Nenhum pedido que fizera a defunta foi observado. Sob o pretexto de que sairia dispendioso, ou irrealizável.
Dias antes do passamento à cabeceira do leito de morte, os herdeiros procediam o espólio dos bens póstumos. Havia quem pensasse que a eutanásia acidental daria-lhe enfim o descanso merecido.
- Me dá uma pena ver mamãe nesse estado...! - Cumpria-se que sempre fora clã de parcas posses. Juntos agouravam na expectativa da matriarca partir desta pra melhor.
À hora do enterro, reunidos para a oração do adeus alguém lembrou da aliança. Sua derradeira vontade, gemida no momento sacro da extrema-unção, rogava que fosse sepultada com o anel. Por ser em ouro maciço espicaçou-se veladamente a cobiça dos parentes. O primogênito não pareceu disposto a favor tão caro. Agarrou no anel, contudo nada dele desentalar. Muito discretamente apanhou um canivete e decepou-lhe o dedo, pondo a outra mão a ocultar o anelar faltoso.
- Psst!... Ela não vai precisar de bens materiais no além. - Um dos cunhados quis confortá-lo concluindo que iam-se os dedos, ficavam os anéis.

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