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sábado, 26 de março de 2011

FELICIANO ===============

Bastava ele beber uns goles para a vida se transfigurar, assumir ares estranhos nos vapores da cachaça. A favela e seus becos, um labirinto sem final. Bêbado daquele jeito nem Noca do botequim tinha paciência. Punha-se numa cantoria dispensando a música ambiente.
- Some da minha vista, Feliciano! Tenha dó, cabra... Cai em si!
Ao adentrar o barraco seu silêncio era mórbido. Aliás, o que pedia-se era então somente isso. Manter-se no canto do quarto feito zumbi, olhos postos na tv. Apenas o movimento das sombras nas tábuas, sobre os móveis usados e gastos.
A realidade durante a novela parecia coisa de outro mundo. Nada comparável aquela vidinha besta. Em cores mesa farta, sucesso, mulheres sedutoras, facilidades mil... O que via à sua volta? Pobreza, dificuldades, sacrifícios, sempre a mesma dura existência. Os vizinhos diziam que apesar de ser boa pessoa, ele nunca dera foi sorte.
- Isso aí que é homem... - Sobressaiu-se uma voz. Nenhum gemido da parte dele. A amásia perdera todo apreço.
Na televisão tudo luzia perfeito, quase sonho. Num porém Deus havia sido generoso: filhos... Cinco! Qual futuro haveria para eles? Quando cobrariam-lhe tamanho fracasso...
Após mais um capítulo a ingrata despertava do transe. Desgraçadamente vivia seu drama cotidiano. Por horas a fio fuçavam seus defeitos, os segredos demais sórdidos eram enfim revelados.
Noite adentro os cães ladram inquietos. Feliciano vigia o ressonar agitado da megera, admira-se no sono tranquilo das crianças... Disparos irrompem pela escuridão. Perdido entre outros o barraco jaz na quietude. Infeliz deu cabo da família e dele mesmo em seguida.

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